Nas operações de compra e venda de imóveis, um dos aspectos que exige atenção redobrada é o direito ambiental. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), há vários anos, definiu que as repercussões ambientais possuem natureza propter rem, ou seja, acompanham o bem, transmitindo-se ao adquirente. Desta maneira, o comprador de um imóvel deve levar em conta o risco ambiental, afinal, poderá ser responsabilizado inclusive por danos ambientais anteriores à compra, como reafirmou o STJ no julgamento do agravo interno no agravo em recurso especial (AgInt no AREsp) de n. 819176/SP, (publicado no DJe 01/10/2018).
A Corte Superior também considera que não há direito adquirido à degradação do meio ambiente. Ao examinar uma construção em área urbana, localizada em uma área de preservação permanente (APP), próximo ao Rio Paraná, decidiu que não pode ser mantida pelo novo adquirente (AgInt no REsp 1545177, publicado no DJe 22.11.2018). Revertendo a decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, que havia admitido a permanência da construção, o STJ considerou que, ainda que fosse antiga, deveria ser demolida pelo novo proprietário, porque o transcurso do tempo não serve como mecanismos de exoneração de responsabilidade ambiental. Este entendimento está em harmonia com o enunciado da súmula n. 613 do STJ, que define que “Não se admite a aplicação da teoria do fato consumado em tema de Direito Ambiental”. Desta maneira, em matéria ambiental, as situações irregulares, mesmo quando se prolongam por muito tempo, podem gerar responsabilidade, o que exige atenção de antigos e novos proprietários.
O exame mais aprofundado das decisões da Corte permite observar a absoluta rigidez que prevalece em matéria de responsabilidade ambiental. Uma breve síntese do entendimento jurisprudencial pode ser colhida em acórdão de relatoria do Min. Francisco Falcão, ao julgar o recurso especial n. 1688696, do qual se extrai: a “natureza objetiva, solidária e propter rem à responsabilidade civil ambiental, considerando irrelevante, portanto, qualquer indagação acerca de caso fortuito ou força maior, assim como sobre a boa ou a má-fé do titular atual do bem imóvel ou móvel em que recaiu a degradação” (DJe 18.10.2018).
É importante diferenciar e destacar cada um dos elementos que a decisão aponta. Afirmar a responsabilidade objetiva em matéria ambiental significa que para não se exige culpa para atribuir responsabilidade. Como exposto acima, a natureza propter rem assinala que tal como ocorre com débitos condominiais, as obrigações ambientais atingem o novo proprietário. De forma ainda mais dura, ao caracterizar como solidários os deveres ambientais, significa que tanto o antigo, quanto o novo proprietário, podem ser atingidos.
Vale recordar ainda o previsto no parágrafo 3º do art. 225 da Constituição Federal do Brasil de 1988 “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”. Dessa maneira, as repercussões no plano ambiental podem ocorrer em diversas esferas, conjuntamente.
Consolidando sua jurisprudência, recentemente o STJ publicou duas súmulas importantes. O enunciado da súmula n. 629 define que “Quanto ao dano ambiental, é admitida a condenação do réu à obrigação de fazer ou à de não fazer cumulada com a de indenizar”. Por sua vez, o enunciado da súmula 623 estabelece que “As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor”.
As novas súmulas reforçam a legislação e jurisprudência e permitem afirmar que nem o antigo proprietário está exonerado com a venda do bem, nem o novo proprietário está isento da responsabilidade por fatos anteriores a compra. Cuidados na redação do instrumento de compra e venda não afastam a responsabilidade, mas podem reduzir os riscos e danos.
Consequentemente, não basta o adquirente de um imóvel, urbano ou rural, apenas cuidar do ecossistema do imóvel que adquiriu. A responsabilidade ambiental é mais extensa, engloba garantir o meio ambiente equilibrado e responder, inclusive, por situações pré-existentes. Na esfera ambiental, simultaneamente, podem haver repercussões administrativas, cíveis e penais. Além disso, a imposição da reparação de danos, abstenções (como deixar de certas áreas) e mesmo o dever de recuperar o meio o meio ambiente, podem ser aplicadas simultaneamente, e atingem proprietários e possuidores, tanto antigos, quando atuais.
Gabriel Schulman
Advogado – Trajano Neto & Paciornik Advogados