O direito de imagem é assegurado no artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal:
Art. 5º (…) X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
Observa-se que o artigo supracitado garante o direito a indenização pelos danos materiais e morais decorrentes do uso indevido da imagem de uma pessoa. Neste mesmo sentido, prevê o artigo 20 do Código Civil:
Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.
Assim, caso o uso não autorizado da imagem de qualquer pessoa (famosa ou não) cause danos a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou ainda, caso a imagem seja usada em campanha publicitária ou para outros fins comerciais, é devida a reparação dos danos morais e materiais causados.
A doutrina entende ainda que, além de requerer indenização por danos morais e materiais, a vítima poderá também exigir a restituição do lucro da intervenção.
O lucro da intervenção, segundo Sérgio Savi, é o “lucro obtido por aquele que, sem autorização, interfere nos direitos ou bens jurídicos de outra pessoa e que decorre justamente desta intervenção” (SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil e enriquecimento sem causa: o lucro da intervenção. São Paulo: Atlas, 2012, p. 7).
Nessa linha, em 02/10/2018, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça proferiu decisão revolucionária, relatada pelo ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, condenando determinada empresa, em razão do uso indevido de imagem para fins comerciais, a restituir integralmente o chamado “lucro da intervenção”, como se vê da referida decisão:
Além do dever de reparação dos danos morais e materiais causados pela utilização não autorizada da imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais, nos termos da Súmula 403-STJ, o titular do bem jurídico violado tem também o direito de exigir do violador a restituição do lucro que este obteve às custas daquele. (STJ. REsp 1.698.701-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª Turma, julgado em 02/10/2018).
Trata-se, portanto, de uma vantagem patrimonial obtida indevidamente com base na exploração ou aproveitamento, de forma não autorizada, de um direito alheio (KONDER, Carlos Nelson. Dificuldades de uma abordagem unitária do lucro da intervenção. Revista de Direito Civil Contemporâneo. Vol. 13., ano 4, p. 231-248. São Paulo: RT, out-dez 2017).
O ministro Ricardo Villas Bôas Cueva explanou que, de acordo com a maioria da doutrina, o lucro da intervenção encontra fundamento no instituto do enriquecimento sem causa, positivado no artigo 884 do Código Civil, pois aquele que viola a imagem alheia para uso comercial lucra com base em um direito que não lhe pertence.
Cumpre salientar que o enriquecimento sem causa pode ocorrer mesmo sem que o titular do direito violado tenha alguma perda financeira, nos termos do Enunciado 35 da I Jornada de Direito Civil:
A expressão “se enriquecer à custa de outrem” do art. 886 do novo Código Civil não significa, necessariamente, que deverá haver empobrecimento.
Dessa forma, aquele que tem seu direito de imagem violado terá direito à restituição integral do lucro da intervenção mesmo sem prova de prejuízo financeiro, bastando a demonstração de que houve enriquecimento indevido do violador.
Observa-se que o Código Civil, em seu artigo 886, define que não caberá restituição por enriquecimento ilícito caso o lesado possa se ressarcir do prejuízo por outros meios. No caso de violação ao direito da imagem, é assegurado à vítima a reparação pelos danos morais e materiais e, por este motivo, segundo o referido artigo, não caberia ação para ressarcimento em razão do enriquecimento sem causa/ilícito.
Porém, o ministro justificou na decisão que apenas a reparação pelos danos morais e materiais “não tutela nada além dos prejuízos efetivamente sofridos pela vítima do evento danoso, enquanto que o enriquecimento ilícito se encarrega apenas de devolver o lucro obtido em decorrência da indevida intervenção no direito de imagem de outrem ao seu verdadeiro titular”.
Sendo assim, permitiu-se a cumulação das ações de enriquecimento sem causa para reparação do lucro da intervenção com ação de responsabilidade civil para reparação dos danos morais e materiais, como se vê:
A subsidiariedade da ação de enriquecimento sem causa não impede que se promova a cumulação de ações, cada qual disciplinada por um instituto específico do Direito Civil, sendo perfeitamente plausível a formulação de pedido de reparação dos danos mediante a aplicação das regras próprias da responsabilidade civil, limitado ao efetivo prejuízo suportado pela vítima, cumulado com o pleito de restituição do indevidamente auferido, sem justa causa, às custas do demandante. STJ. 3ª Turma. REsp 1.698.701-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 02/10/2018.
Portanto, ao se aplicar o instituto do lucro da intervenção, em alguns casos, a vantagem patrimonial obtida pela vítima superará o próprio prejuízo sofrido servindo como meio de inibir a prática de atos contrários ao ordenamento jurídico nas hipóteses em que a reparação por danos morais e materiais não é suficiente a inibir o ofensor de reiterar o ilícito, pois muitas vezes o lucro é muito maior que o valor a ser pago a título de danos morais e materiais.
O ministro ainda assegurou que o lucro deverá ser quantificado por meio de perícia na fase de liquidação, cabendo ao perito encontrar o método de quantificar o lucro patrimonial, bem como delimitar o cálculo sobre o período em que se verificou o uso indevido do direito de imagem.
Conclui-se, portanto, que o Superior Tribunal de Justiça estabeleceu um novo paradigma que desestimulará a prática de ilícitos por aqueles que se apropriam indevidamente de direitos alheios para obter lucro, pois, a partir de agora, o ofensor deverá restituir os danos morais, os danos materiais e ainda restituir todo o lucro obtido com o uso da imagem alheia, o chamado “lucro da intervenção”.
Por fim, observa-se que a referida decisão no Recurso Especial nº 1.698.701, prolatada pelo ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, inaugurou precedente sobre o tema do “lucro da intervenção”, possibilitando, inclusive, discussões sobre aplicação em razão de violação de outros direitos, tais como de propriedade intelectual, pois muitas vezes ocorre o uso indevido de patente, marca, entre outros, para obtenção de lucro.
Bruna de Abreu e Silva
Advogada – Trajano Neto e Paciornik Advogados