Com a chegada das vacinas contra a infecção do novo coronavírus, inúmeras discussões a respeito dos aspectos de sua aplicação tomaram forma: questionamentos sobre eficácia, planos de imunizações em massa, comparações entre as diversas fórmulas e suas peculiaridades, dentre outras inúmeras dúvidas inerentes à novidade tão aguardada – cuja esperança de pôr fim à angústia trazida pela epidemia que assola nosso país e o mundo é praticamente unânime em toda a sociedade.
Contudo, após recente decisão do STF (17/12/2020), dando conta da obrigatoriedade da vacinação para toda a população brasileira, algumas vozes de oposição à imperiosidade da medida começaram a criar coro, ensejando discussões a respeito da velha dicotomia entre direitos individuais e direitos coletivos, vejamos:
— ARE 1267879 (com repercussão geral): “É constitucional a obrigatoriedade de imunização por meio de vacina que, registrada em órgão de vigilância sanitária, tenha sido incluída no plano nacional de imunizações; ou tenha sua aplicação obrigatória decretada em lei; ou seja objeto de determinação da União, dos estados, do Distrito Federal ou dos municípios com base em consenso médico-científico. Em tais casos, não se caracteriza violação à liberdade de consciência e de convicção filosófica dos pais ou responsáveis, nem tampouco ao poder familiar”.
Por corolário lógico, no âmbito do Direito do Trabalho, (cuja tutela resguarda fundamentalmente direitos coletivos), a aplicabilidade da citada decisão do ARE 1267879 (com repercussão geral) é imediata, o que nos traz à presente análise dos aspectos da vacinação contra a covid 19 nas relações juslaborais.
E neste aspecto, o STF permitiu aos entes federativos a aplicação de sanções e medidas indiretas visando a vacinação compulsória da população, não obstante a possibilidade de recusa por parte do cidadão que “opta” por sofrer as medidas restritivas de acesso a determinados locais ou de exercício de determinadas atividades e/ou direitos (desde que, claro, com previsão legal antecedente).
Ante tal posicionamento, evidencia-se a plena possibilidade de as empresas exigirem a vacinação de seus empregados como medida sanitária fundamental, visando o estrito cumprimento das normas de segurança e higiene no ambiente do trabalho e em sintonia para com as normas de regência, bem como ao entendimento recente do STF sobre a matéria, como vimos acima.
As normas de higiene e segurança no ambiente de trabalho, já vigem desde a promulgação da CLT na década de 40 do século passado, sendo a exigência de se cobrar a imunização de doença infecto contagiosa como a Covid-19 (dado o estado de calamidade pública que vivemos e todas as peculiaridades endêmicas desta infecção viral gravíssima) um verdadeiro desdobramento do Poder Diretivo do empregador em caráter obrigacional, ou seja, trata-se de verdadeira obrigação do empregador e não mera faculdade.
Daí decorre que, em conjunto ao disposto no art. 7º, XXII da CF/88, todo o Capítulo V da CLT versa a respeito destas obrigações, tanto por parte do empregador (art. 157), quanto por parte do empregado (art. 158), sendo que a observação das medidas sanitárias ora em análise encontra respaldo normativo no inciso III do art. 157, verbis: “adotar as medidas que lhes sejam determinadas pelo órgão regional competente”.
E complementando a Norma Consolidada, o art. 3º, III, “d” da Lei nº 13.979/2020 dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019:
“Art. 3º. Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional de que trata esta Lei, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, entre outras, as seguintes medidas:
(…)
III – determinação de realização compulsória de:
(…)
d) vacinação e outras medidas profiláticas”;
Portanto, a exigência de cobrar a imunização dos empregados que trabalham sob sua tutela é verdadeira obrigação do empregador e a punição para aqueles que se opuserem à vacinação (independente dos motivos para isso), um mero desdobramento do Poder Diretivo deste mesmo empregador, cujo dever é manter incólume o ambiente de trabalho pelo qual é legalmente responsável. E neste sentido, até mesmo a demissão por justa causa ao funcionário que se recuse a tomar a vacina encontra respaldo no ordenamento, ao passo em que a recusa do empregado à imunização viola a higidez das condições sanitárias no ambiente laboral, sendo a despedida por justa causa o estrito exercício do poder disciplinar do empregador que visa resguardar a incolumidade física de toda a coletividade de laboristas que trabalham sob sua égide.
E no outro lado da mesma moeda, da ausência de cumprimento deste dever, podem advir consequências trabalhistas de toda ordem, como punições por parte de órgãos fiscalizadores e responsabilização em reclamatórias individuais pela possível configuração de doença ocupacional, uma vez estabelecido nexo de causa entre a patologia e o labor desenvolvido (mormente, ao serem analisadas as condições sanitárias do ambiente de trabalho e ausência de medidas preventivas pela empresa).
Portanto, a decisão do Supremo Tribunal Federal que declara a obrigatoriedade da vacinação para todos os brasileiros está em completa harmonia com as normas e princípios que compõem nosso ordenamento jurídico. A legislação trabalhista, em particular, dada à sua natureza precípua de tutela de direitos sociais e coletivos, alberga a posição da Corte por decorrência lógica e linear, pelo que a exigência da imunização por parte do empregador reveste-se de verdadeiro caráter obrigacional, impelindo-o a observação deste “poder-dever” e todas as consequentes implicações no âmbito do contrato de trabalho.
José Vitor Subtil Santos
Advogado – Trajano Neto e Paciornik Advogados