O mercado náutico no Brasil é ainda tímido, o que exige estratégias diferenciadas dos estaleiros para conquistar e fidelizar seus clientes. Em alguns casos, os estaleiros emprestam embarcações até que a entrega da compra realizada.
Essa prática exige os devidos cuidado jurídicos. Além da contratação adequada, é preciso atenção as providências no âmbito tributário, sobretudo na forma de transportar. Do contrário a diversão do cliente pode acabar frustrada em um posto fiscal que venha a reter a embarcação emprestada.
No transporte de embarcação do estaleiro para pessoa física, não basta apenas comprovar a propriedade da embarcação. Como bem se sabe, nenhuma mercadoria pode ser transporta sem a nota fiscal que a acompanhe e justifique a relação jurídica que esteja acontecendo. A única exceção é no caso de pessoas físicas enviando para pessoas físicas, caso contrário algum tipo de nota fiscal deve acompanhar o transporte.
Independente da nota, em todos os casos as transportadoras exigem uma declaração de carga com o intuito demonstrar a real propriedade do bem, eximi-la de eventual responsabilidade e isenta-la de tributos.
Diante disso, podemos ver que já temos dois requisitos para o transporte de uma mercadoria de pessoas jurídicas para uma pessoa física, a nota fiscal que a acompanhe e a declaração de carga.
Deve-se ainda para o tipo de nota emitida e um terceiro documento que deve acompanha-la. Como o motivo dessa circulação de mercadoria é o mero empréstimo (ou no jurisdiquês um “comodato sem prazo estipulado”), a nota, que comentei acima, deve ser específica para essa situação, ou seja, deve contar que se destina a remessa de bem por conta de contrato de comodato e na volta da embarcação a nota deve ser para o retorno de mercadoria em comodato.
Para fins tributários, e também para aclarar a relação das partes, é fundamental também um contrato de comodato, tanto para as finalidades fiscais, quando para disciplinar as relações entre as partes.
Sem o devido documento fiscal é possível que o transporte da embarcação em comodato, se parado em um posto fiscal, seja interpretado como uma compra e venda, o que por sua vez irá consequentemente desencadear a incidência de ICMS sobre o valor arbitrado do bem pelo fiscal. Além disso, a falta de documento fiscal resulta em multa qualificada, até 150% sobre o valor do ICMS, apreensão da mercadoria até o pagamento, possível imputação de crime de sonegação e em casos mais extremos até mesmo a imputação de crime de apropriação indébita ao estaleiro.
Em sendo assim, a geração do documento correto pode levar, com toda a certeza vai valer mais a pena do que o desgaste com o cliente, defesa das infrações fiscais e o mandado de segurança para liberar a mercadoria ilegalmente apreendida para coerção ao pagamento dos tributos.
Ainda assim, diversos estaleiros não geram tais notas pelo medo de que mesmo com a documentação o fisco impute a incidência do ICMS sobre o transporte. Contudo, o Superior Tribunal de Justiça já consolidou o entendimento de que em casos de bens circulando em face de contratos de comodato não podem ter incidência de ICMS, inclusive editando a súmula 573, com o seguinte teor “Não constitui fato gerador do imposto de circulação de mercadorias a saída física de máquinas, utensílios e implementos a título de comodato.”
Dessa forma, temos que a melhor situação é emitir a nota fiscal de remessa por comodato e se tiver algum problema com o Fisco terá uma súmula do Superior Tribunal de Justiça para te defender, enquanto no caso de não emitir nota e contar com a sorte pode resultar em problemas muito maiores e em uma defesa muito mais complexa e com chances muito inferiores de êxito, uma vez que não teremos documentos para sustentar o comodato.
Diante de tudo que comentamos, caso ainda tenha dúvidas ou receios, é de grande importância a adequada documentação jurídica para que se possa curtir com prazer o mar.
Ravi Petrelli Paciornik
Advogado – Trajano Neto e Paciornik Advogados