O instituto da propriedade fiduciária, regulamentado por lei federal, foi inserido no ordenamento jurídico brasileiro para resguardar o credor em caso de eventual inadimplemento da obrigação, trazendo benefícios mais seguros e eficazes, uma vez que a coisa alienada ou cedida fiduciariamente já não compõe o acervo patrimonial da empresa devedora e a propriedade, ainda que resolúvel, passa a ser exercida pelo credor fiduciário. A lei que regulamenta esta atuação é a Lei número 9.514/1997.

Em outras palavras, o credor fiduciário se mantém como proprietário e o devedor como possuidor do bem, até que o contrato seja resolvido ou finalizado (daí a denominação “propriedade resolúvel”).

Diante desse cenário, e visando dar mais segurança ao proprietário fiduciário dentro da Recuperação Judicial, o artigo 49 da Lei de Recuperação Judicial e Falência (“LRF”), em seu parágrafo 3º, estabelece que “tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, (…), seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial”.

Portanto, na prática o credor fiduciário poderá seguir normalmente com as ações buscando satisfazer o crédito, independentemente do pedido de Recuperação Judicial da empresa devedora, não se sujeitando às condições especiais de pagamento previstas no plano de recuperação judicial.

Caso o crédito garantido por alienação ou cessão fiduciária tenha sido incluído na relação de credores pela empresa devedora, o caminho será apresentar uma Divergência de Crédito diretamente ao Administrador Judicial nomeado, com a juntada dos documentos que comprovem a condição de credor fiduciário, requerendo ao final a exclusão de seu crédito da Recuperação Judicial.

Após a análise de todas as divergências e habilitações de crédito, o Administrador Judicial fará publicar em edital a relação de credores com as retificações e exclusões cabíveis. Se, mesmo após a apresentação da divergência ao Administrador, o crédito permanecer na referida relação, caberá ao credor ingressar com pedido de Impugnação ao Crédito, que será dirigido e apreciado pelo Juízo da Recuperação Judicial.

Importante frisar que a parte final do art. 49, parágrafo terceiro, faz menção à proibição de retirada do estabelecimento do devedor (empresa em Recuperação Judicial) dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial, durante o prazo de suspensão a que se refere o art. 6º, parágrafo 4º da LRF, que é de 180 dias a contar do deferimento do processamento da Recuperação Judicial.

Ou seja, em que pese o credor fiduciário não se sujeitar à Recuperação Judicial, podendo prosseguir com as ações de execução ou busca e apreensão dos bens dados em garantia fiduciária, não poderá retirar do estabelecimento do devedor em Recuperação os bens considerados essenciais à sua atividade empresarial. Na prática, esta disposição tende a impossibilitar grande parte das buscas e apreensões, pois na maioria das vezes os bens dados em garantia são justamente aqueles considerados essenciais à atividade empresarial, tais como maquinários utilizados no insumo, caminhões e veículos utilizados na logística da empresa, etc.

Cabe ao devedor (empresa em Recuperação Judicial) comprovar a essencialidade do bem, sendo que, em muitos casos em que há proibição de retirada de bens do estabelecimento do devedor, sem que este tenha especificado e comprovado que aqueles bens estão sendo usados em sua operação, o credor pode se valer de seu direito de recorrer às instâncias superiores, a fim de tentar reformar a decisão.

Em relação ao prazo de suspensão de 180 dias, na prática é praxe dos Juízes e Tribunais prorrogar este prazo por mais 180 dias, ou mesmo até a aprovação do plano de recuperação em Assembleia Geral de Credores, sendo entendimento já pacificado inclusive pelo Superior Tribunal de Justiça (“STJ”). Com a prorrogação da suspensão, prorroga-se também a condição proibitiva da retirada dos bens essenciais do estabelecimento empresarial.

Importante observar que, para que o credor fiduciário possa se valer de seu direito de exclusão do crédito da Recuperação Judicial, deverá observar as regras formais do art. 1.361, parágrafo 1º, do Código Civil, que prevê que a propriedade fiduciária somente será constituída com o registro do contrato no Registro de Títulos e Documentos do domicílio do devedor, ou, em se tratando de veículos, na repartição competente para o licenciamento, fazendo-se a anotação no certificado de registro.

Renata Almeida Alves

Advogada – Trajano Neto e Paciornik Advogados