As empresas que atuam no segmento da construção civil, tanto construtoras como incorporadoras, têm a possibilidade de se utilizar do Regime Especial Tributação do Patrimônio de Afetação. No referido regime a tributação federal que engloba os tributos do IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, cai de 6,73% para 4% das receitas mensais recebidas advindas de cada incorporação.
Ocorre que atualmente as empresas incorporadoras vem sofrendo majoração de sua carga tributária e até mesmo sendo autuadas em face de efêmeros entendimentos, proferidos pela Receita Federal do Brasil, com o único intuito de majorar a sua base arrecadatória. Assim, aquelas empresas que utilizavam-se do Regime Especial de Tributação do Patrimônio de Afetação que obtinham os benefícios acima elencados, vem sofrendo ilegais limitações ao seu direito de uso desse regime.
O Regime Especial definido pela Lei nº 10.931/2004, estabelece alguns requisitos para utilização do referido incentivo, sendo os mais importantes a constituição de um patrimônio de afetação que abarque o terreno, as acessões objetos do empreendimento imobiliário e a entrega do termo de opção do RET à Secretaria da Receita Federal.
Além disso, diversos ônus/contrapartidas serão impostos à incorporadora para o aproveitamento do Regime Especial de Tributação, dentre elas inviabilidade de submeter os créditos de RET a parcelamento fiscal, conforme o artigo 6º da Lei 10.931/2004; obrigatoriedade de elaboração de uma escrituração contábil completamente separada para cada incorporação como previsto no artigo 7º da Lei 10.931/2004; e, ainda, como elencado acima e de extrema importância, a criação de patrimônio de afetação, conforme previsão do artigo 31-A a 55 da Lei 10.931/2004. Além de o incorporador ser obrigado a cumprir a integralidade das obrigações instrumentais e acessórias decorrentes dessas exigências, tendo por fim, a necessidade de constituição de uma Sociedade de Propósito Específico.
Tudo isso constitui claro ônus à incorporadora em detrimento a segurança jurídica dos adquirentes dos imóveis incorporadas. Portanto, o Regime Especial de Tributação do Patrimônio de Afetação possui claro caráter extrafiscal, uma vez que traz maior segurança ao mercado e em contrapartida oferece melhor carga tributária ao incorporador.
Cumpridos esses requisitos e aderindo ao RET, tal escolha será irretratável, os tributos deverão ser pagos nos moldes do regime a partir do mês da opção e perdurará enquanto existirem obrigações do incorporador junto aos adquirentes dos imóveis que compõe o empreendimento, inexistindo qualquer menção legal a limitação de tempo do uso do regime.
Portanto, quando optado pelo Regime Especial, os bens que forem deslocados ao patrimônio de afetação ficarão incomunicáveis com os demais bens de propriedade do incorporador, bem como não responderão por dívidas que não sejam advindas da incorporação específica. O que ocorre é que um determinado conjunto de bens permanecerá reservado ao empreendimento até a sua finalização e liquidação.
Importante frisar que o regime em questão é instituído com o intuito de aplicar-se as incorporações imobiliárias, ou seja, enquanto a incorporação existir o regime pode e deve ser utilizável.
Levando em consideração que a incorporação imobiliária não se limita a meras execuções de obras, mas sim, como elenca Silvio Salvo Venosa, “em negócio jurídico que tem por finalidade promover, administrar e realizar a construção, para alienação total ou parcial de unidades autônomas, as quais podem ser constituídas de apartamentos, escritórios, garagens, shopping centers etc.”, não existiria razão nenhuma que indicasse que a lei estabelece prazo inferior para fruição do referido regime que não fosse aquele da finalização da incorporação.
Ademais, a própria Lei 4591/64, que dispõe sobre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias, define incorporação em seu artigo 28, parágrafo único da seguinte forma:
Parágrafo único. Para efeito desta Lei, considera-se incorporação imobiliária a atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas, (VETADO).
Diante disso, fica demonstrado que a incorporação não se limita a mera construção, mas sim em todo o conjunto de ações realizadas até a alienação total ou parcial dos imóveis incorporados, o que consolida a ideia de utilização do Regime Especial de Tributação, tanto antes quanto depois das obras, desde que optado e preenchidos os requisitos da Lei 10.931/2004. Exatamente nesse ponto é que o Fisco vem impondo diversos entraves para o incorporador utilizar o Regime Especial de Tributação – RET.
A Receita Federal do Brasil, por meio da Instrução Normativa 1.435/2013, instrumento normativo secundário, veio impor limitações ao Regime Especial de Tributação que não estão nem nunca estiveram previstos em nossa legislação pátria, com o claro intuito de aumentar a sua arrecadação derivada das atividades de construção civil.
Em 12 de setembro 2014 a Receita Federal proferiu Solução de Consulta nº 244/2014 no sentido de limitar a sujeição de receitas ao RET, nessa oportunidade expôs o entendimento no sentido de que a incidência da alíquota de 4% apenas poderia ser aplicada para receitas derivadas da alienação de unidades imobiliárias antes da finalização da edificação ou expedição do habite-se, como podemos notar abaixo:
“Considerando que a opção pelo regime é irretratável enquanto perdurarem direitos de crédito ou obrigações do incorporador junto aos adquirentes dos imóveis da incorporação, o RET será adotado em relação às receitas recebidas após a efetivação da opção, referentes às unidades vendidas antes da conclusão da obra, as quais componham a incorporação afetada, mesmo que essas receitas sejam recebidas após a conclusão da obra ou a entrega do bem.
Não se sujeitam ao RET as receitas decorrentes das vendas de unidades imobiliárias realizadas após a conclusão da respectiva edificação.”
Ocorre que poucos dias depois da solução a consulta acima a Receita Federal retornou ao posicionamento legal e por meio da Solução de Consulta nº 274/2014 datada de 26 de setembro de 2014 voltou a aplicar o posicionamento que o RET poderia ser aplicado independente da data da alienação das unidades incorporadas, como podemos notar abaixo:
“RECEITAS SUJEITAS À TRIBUTAÇÃO ESPECIAL. RECEITAS RECEBIDAS. Após formalizada a opção pelo RET, serão tributadas na forma do caput do art. 4º da Lei nº 10.931, de 2004, independentemente do momento em que auferidas, as receitas efetivamente recebidas pela incorporadora com a venda das unidades imobiliárias que compõem a incorporação submetida Regime, bem como as receitas financeiras e variações monetárias decorrentes desta operação.”
Nesse sentido a Receita Federal do Brasil, por meio da Solução de Consulta DISIT/SRRF 7045/2014 e alinhada a Solução de Consulta Cosit nº 274/2014, se posicionou de forma completamente favorável ao contribuinte, entendendo ser irrelevante a época da comercialização das unidades imobiliárias incorporadas, portanto, poderia a incorporadora alienar as unidades durantes as obras ou após a sua finalização e ainda assim beneficiar-se da incidência de imposto reduzida trazida pelo Regime Especial. Isso significava que o Regime Especial vigorava durante a integralidade da incorporação, conforme previsto no artigo 1º da Lei 10.931/2004.
Dessa forma, durante quatro anos a Receita Federal do Brasil cumpriu a norma legal de forma irretocável, proporcionando que as empresas incorporadoras utilizassem a carga tributária reduzida enquanto perdurassem os direitos e obrigações do incorporador perante os adquirentes, sem impor qualquer limite temporal à sua utilização e desde que existisse incorporação em seu sentido amplo e legal, como acima elencado.
Contudo, em clara manobra arrecadatória, em 27 agosto de 2018 a Receita proferiu nova Solução de Consulta Disit/SRRF nº 2009/2018, onde mudou seu posicionamento, passando a assumir entendimento completamente contrário do qual anteriormente defendia. Em seu novo posicionamento interno a Receita Federal voltou a exigir novos requisitos para que o incorporador pudesse usufruir do benefício do Regime Especial de Tributação e passou a fazer expressa vinculação à Solução de Consulta 244/2014, ou seja, retornou ao seu entendimento anteriormente superado.
Com esse novo entendimento interno da Receita Federal passou-se a exigir do incorporador, para que pudesse utilizar o Regime Especial, que estivesse realizando obras no patrimônio afetado à incorporação e que as receitas derivadas das vendas das unidades imobiliárias incorporadas seriam apenas aquelas realizadas em momento anterior ao habite-se.
Portanto, para efeitos práticos, esse novo posicionamento da Receita Federal impôs marco inicial e final para a utilização do Regime Especial de Tributação, sem a existência de qualquer previsão legal nesse sentido. Isto é, o incorporador atualmente só pode utilizar do Regime Especial de tributação caso esteja realizando obras no imóvel afetado, já as receitas advindas de alienação das unidade imobiliárias só poderão ser tributadas pela alíquota de 4% se ocorridas anteriormente a emissão do habite-se.
Dessa forma, o incorporador que não foi capaz de vender a integralidade de suas unidades incorporadas será obrigado a reduzir sua margem de lucro e retorno de investimento em face do aumento da carga tributária.
Toda essa insegurança e mudança de posicionamento tem como base o artigo 2º, parágrafo 2º da Instrução Normativa RFB nº 1.435/2013, a qual estabeleceu o referido marco temporal final à utilização do RET. Como pode ser notado acima, nem mesmo a própria Receita entende corretamente o referido dispositivo previsto em sua instrução normativa, resultando em clara insegurança jurídica aos incorporadores e comprovando a falta de entendimento interno da Receita Federal.
Mesmo considerando que as Soluções de Consulta proferidas possuem efeito vinculante ao contribuinte que as realiza, ainda assim, fica evidente o risco de autuações e imposição de pesadas multas que os incorporadores estão submetidos graças a uma ilegal instrução normativa que resultou em díspares entendimentos por parte do fisco.
Como pode ser notado, apesar das mudanças de posicionamento do fisco que violam claramente a segurança jurídica, o cerne do problema encontra-se na Instrução Normativa 1.435/2014, que estabeleceu limite temporal para a aplicação do RET. Vejam que a referida instrução normativa traz um aumento na carga tributária para os incorporadores que não poderão renunciar a escolha do RET, tendo em vista que o regime é irretratável.
Dessa forma, o incorporador que escolheu o regime ficará obrigado a se submeter as imposições e aumento de carga tributária por parte da Receita, sem a existência de qualquer lei para tanto, o que comprova-se de todo violador ao artigo 150, inciso I, da Constituição da República e ao próprio artigo 97 do Código Tributário Nacional. Um exemplo claro dos males trazidos pela inconstitucional/ilegal instrução normativa pode ser observado em casos de devolução de imóveis, situação corriqueira no mercado imobiliário brasileiro, que após retornar aos estoques da incorporadora e ser reinserido para venda ao consumidor final ficará obrigatoriamente submetido à um alíquota 2,73% superior a anterior, uma vez que não poderá utilizar o RET devido a finalização das obras, mesmo ainda não tendo finalizada a incorporação de fato.
Diante disso, os ônus arcados pelo incorporador, que proporcionam maior segurança ao consumidor final do imóvel incorporado, em contrapartida de uma tributação mais branda será perdido, uma vez que finalizada as obras o incorporador já terá arcado com a integralidade de suas contrapartidas, mas ficará impossibilitado de receber os benefícios tributários pretendidos com o Regime Especial.
Em sendo assim, a contrapartida e extrafiscalidade que traziam maior segurança ao mercado e maior fomento à atividade de incorporação fica claramente fragilizada, afetando ainda mais um mercado atualmente desaquecido.
Em face de todo o exposto, as incorporadoras que se virem lesadas com essa limitação trazida pelo Instrução Normativa nº 1.435/2014 e dos recentes posicionamentos da Receita Federal, podem e devem manejar ações judiciais com o intuito de assegurar o seu direito líquido e certo previsto em nossa legislação federal. Digo que devem adentrar diretamente no judiciário, pois como visto acima, a esfera administrativa de nada servirá, uma vez que deverá atacar diretamente a constitucionalidade da referida Instrução Normativa, o que seria inviável na via estreita das impugnações e recursos perante a Receita Federal.
Ravi Petrelli Paciornik
Advogado – Trajano Neto e Paciornik Advogados