A vida é imprevisível, e o direito contratual, todavia, precisa lidar com a incerteza. Ao tempo em que este artigo é escrito, o mundo vivencia uma pandemia que preocupa a todos. O direito é diariamente impactado pela realidade nos cerca. Nesse sentido, no âmbito do direito contratual, a situação da pandemia, poderá, em muitos casos, ser enquadrada como uma causa suficiente para o adiamento do cumprimento de contratos ou até mesmo como fundamento de sua resolução.
Sob o prisma de quem contrata, é preciso observar não apenas os deveres atribuídos a cada uma das partes (também chamados de prestações), como também, é indispensável, observar o interesse, que pode ser traduzido como a finalidade concreta do cumprimento dos deveres.
Na prática, diante de fatos supervenientes, o cumprimento do contrato pode ser inútil, ou mesmo impraticável. Do ponto visto de quem contrata, a realização de uma viagem ou uma festa infantil no período em que se recomenda evitar contágio não fará sentido. O interesse do contratante não será atendido pelo cumprimento do contrato.
Por sua vez, sob o ponto de vista do contratado, ou seja, o responsável pelo adimplemento, é preciso avaliar se determinado fato imprevisível torna inviável ou mesmo irrazoável que se exija o cumprimento do contrato.
Em determinadas situações, o que estará sob exame será a performance do contratante, que deverá ser remunerado, mesmo que não atinja o resultado ideal. É o que ocorre, por exemplo, em relação aos profissionais de saúde que atendem os pacientes; devem usar os protocolos clínicos corretos, mas não podem assegurar, em todos os casos, que haja cura. Em outros casos, será observado se medidas preventivas efetivas foram adotadas para proteger, por exemplo, clientes e funcionários, dentro de uma perspectiva de que se o acontecimento é inevitável, eventualmente seus efeitos possam ser reduzidos.
Fatos imprevisíveis posteriores às contrações são recorrentes, o que demanda cuidados especiais na elaboração de contratos. Não basta contar com a sorte ou depender de um novo acordo das partes. Por exemplo, por meio de disposições contratuais, podem ser estabelecidos critérios de interpretação ou mesmo de negociação futura. O Código Civil, em redação adotada em 2019, inclusive reforça a força vinculante da “alocação de riscos definida pelas partes”.
Sob diversos fundamentos, discute-se no plano jurídico a possibilidade de afastar de maneira transitória ou definitiva o cumprimento do contrato. Entram em cenas figuras como caso fortuito, hard ship, duty do mitigate de loss. Para oferecer um exemplo de solução, a Convenção das Nações Unidas sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias (CISG), da qual o Brasil é signatário, define em seu art. 79 que “Nenhuma das partes será responsável pelo inadimplemento de qualquer de suas obrigações se provar que tal inadimplemento foi devido a motivo alheio à sua vontade, que não era razoável esperar fosse levado em consideração no momento da conclusão do contrato, ou que fosse evitado ou superado, ou ainda, que fossem evitadas ou superadas suas consequências”.
Torcemos para que o desafio do coronavírus seja vencido o quanto antes. A seu turno, no plano contratual, a imprevisibilidade é uma certeza, assim como a necessidade de mecanismos adequados para solucionar eventuais conflitos em caso de cenários que fujam do controle das partes.
Gabriel Schulman
Advogado – Trajano Neto e Paciornik Advogados