A LGPD estabelece um importante regime da proteção dos dados pessoais, recentemente reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal como direito fundamental. É interessante notar que a legislação brasileira, tal como ocorre na Europa, estabelece o princípio da finalidade, segundo o qual as empresas devem estar atentas à “realização do tratamento para propósitos legítimos, específicos, explícitos e informados ao titular, sem possibilidade de tratamento posterior de forma incompatível com essas finalidades” (LGPD, art. 5º).
O texto jurídico recém transcrito permite extrair algumas premissas bem importantes. Em primeiro, todo tipo de uso de dados pessoais (CPF, email, whats, por exemplo) deve atender a fins admitidos pela lei, portanto, não se pode usar dados sem uma autorização legal (também chamada de base legal). Em segundo, a LGPD atrai forte demanda de transparência, materializada, por exemplo, em relatórios de avaliação de riscos, políticas de privacidade, disposições contratuais e na própria clareza das comunicações feitas aos consumidores e público em geral, inclusive em caso de incidentes.
Estes temas ganharam grande atenção em julgamento proferido no final deste mês, pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios que ao apreciar pedido formulado contra o SERASA, determinou a imediata “suspensão da comercialização de dados pessoais dos titulares”, sob pena de multa. É preciso destacar que a circunstância de ser legítimo o uso de dados pelo SERASA para as finalidades de análise de crédito e prevenção de fraudes não permite concluir, por outro lado, pela possibilidade de outras utilizações. O SERASA possui dados que podem ser usados para fins de score de crédito, matéria já apreciada pelo Superior Tribunal de Justiça. No entanto, a utilização para outros propósitos depende de nova análise acerca de sua legalidade, a partir de filtros como finalidade, necessidade, proporcionalidade, legitimidade.
Dito de maneira mais simples, o fato de a empresa possuir um banco de dados legalmente obtido e com finalidades legítimas, não permite concluir que outras finalidades automaticamente estejam autorizadas. Como exposto acima, a LGPD atrela o uso de dados a determinada finalidade, e, portanto, não permite livre uso de dados. Isso exige atenção das empresas sobretudo em tempos de intensa publicidade online e uso recorrente de redes sociais para interação.
De forma similar, na semana passada a autoridade de proteção de dados francesa, CNIL, condenou o Carrefour França por retenção de dados de cliente por período maior do que o necessário, violação de consentimento e por dificultar o acesso dos consumidores aos seus direitos.
Em tempos de Black Friday, os direitos não podem sofrer descontos, é necessário uma proteção profunda e adequada.
Gabriel Schulman
Advogado – Trajano Neto e Paciornik Advogados