Nas diversas interfaces do direito, a relação com a imprensa se desdobra em muitos e curiosos assuntos. O direito ao esquecimento, tema deste artigo, surgiu no julgamento de um famoso caso na Alemanha após um soldado, condenado a seis anos de reclusão por assassinato, ter requerido à justiça que um programa de televisão sobre o crime fosse impedido de ser exibido considerando-se que já havia cumprido a pena.
O Tribunal Constitucional Alemão acatou o pedido do soldado entendendo que o fato não poderia ser explorado pela imprensa por tempo ilimitado e que o direito do condenado à privacidade deveria prevalecer em relação ao direito de informação já que não haveria mais interesse social na informação, pois o crime já estava solucionado e julgado há anos, além de que a matéria traria grandes prejuízos ao condenado que estava retornando à vida em sociedade.
Por outro lado, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar Recuso Especial, entendeu que o direito ao esquecimento não é absoluto e poderá ser afastado em casos em que exista interesse social no cultivo à memória histórica e coletiva sobre fato criminoso.
No caso levado a julgamento, dois menores impúberes, representados por seu genitor, alegaram, em síntese, violação ao direito ao esquecimento decorrente da publicação de matéria em revista, no ano de 2012, cujo conteúdo exibiu informações privadas a respeito da vida cotidiana e familiar de pessoa condenada por crime de homicídio ocorrido na década de 90. O crime teve notória repercussão nacional em razão da vítima ser filha de autora de novelas de uma das maiores emissoras do país.
O Tribunal de origem manteve a sentença, que condenou a revista a retirar a matéria da internet e a pagar a cada um dos Requerentes, à título de danos morais, o valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), alterando apenas o termo inicial de incidência dos juros de mora.
Entretanto, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça reformou a decisão, entendo que, caso exista interesse social no cultivo à memória histórica e coletiva de fato criminoso, o direito ao esquecimento não prevalecerá, como se vê:
Existindo evidente interesse social no cultivo à memória histórica e coletiva de delito notório, incabível o acolhimento da tese do direito ao esquecimento para proibir qualquer veiculação futura de matérias jornalísticas relacionadas ao fato criminoso cuja pena já se encontra cumprida. O chamado direito ao esquecimento, apesar de ser reconhecido pela jurisprudência, não possui caráter absoluto. Em caso de evidente interesse social no cultivo à memória histórica e coletiva de delito notório, não se pode proibir a veiculação de matérias jornalísticas relacionados com o fato criminoso, sob pena de configuração de censura prévia, vedada pelo ordenamento jurídico pátrio. Em tal situação, não se aplica o direito ao esquecimento. STJ. 3ª Turma. REsp 1.736.803-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 28/04/2020
Assim, o STJ permitiu que a revista mantenha na internet a matéria e afastou a condenação em danos morais.
Conclui-se, portanto, que não é proibida a veiculação de matérias jornalistas, por tempo ilimitado, em casos de evidente interesse social em delito histórico, não sendo absoluto o direito ao esquecimento.
Bruna de Abreu e Silva
Advogada – Trajano Neto e Paciornik Advogados