Em 16.04.2020, foi publicada, no Diário Oficial a União, a Lei n. 13.989/2020, que autoriza a prática da Telemedicina, em todas as áreas, durante a COVID19. Embora editada em caráter emergencial, confere permissão abrangente para os atos de atenção à saúde feitos à distância.

A prática da telemedicina demanda dos profissionais um importante conjunto de cuidados. Entre os deveres, a nova lei reforça o caráter indispensável da orientação “ao paciente todas as limitações inerentes ao uso da telemedicina, tendo em vista a impossibilidade de realização de exame físico durante a consulta”. Também salienta a importância dos “padrões normativos e éticos usuais”.

Em uma análise mais profunda, é possível diagnosticar que a nova legislação oferece diretrizes importante, todavia, tratou os deveres de maneira muito genérica. Apenas afirmar que é preciso seguir padrões éticos é muito pouco para orientar de maneira adequada a atuação dos profissionais.

Nesse sentido, identifica-se omissões em temas centrais, como padrões de segurança, forma de navegação, aspectos do consentimento (do procedimento e da própria telemedicina), proteção dos dados pessoais (sobre o qual recém publicamos)[1], e até mesmo sobre a relação entre telemedicina e providências presenciais. Há ausência também de orientações sobre a identificação do paciente e do próprio profissional de saúde, o que é relevante para a liberação de consulta e remuneração dos profissionais.

Para oferecer resposta a estas perguntas, é importante avaliar as diferentes modalidades da telemedicina e também o arcabouço legislativo que é denso nesta matéria. Inicialmente, cumpre lembrar que a telemedicina já é regulamentada, há bastante tempo, pela Resolução CFM nº 1.643/2002. Igualmente, há normas de Telerradiologia (Resolução CFM nº 2.107/2014) e Telepatologia (Resolução CFM nº 2.264/2019). Complementarmente, a Resolução CFM nº 1.821/2007, com suas atualizações, disciplina as normas técnicas concernentes à digitalização e uso dos sistemas informatizados para a guarda e manuseio dos prontuários dos pacientes.

O volume de normas sobre a matéria, destoa da insegurança jurídica que ainda persiste. Afinal, muitos profissionais e empresas estão investindo na Telemedicina sem clareza sobre o regime jurídico posterior a COVID19.

Em virtude da COVID, o CFM emitiu ofício em que autorizou a prática. Alguns dias depois, a Portaria do Ministério da Saúde. Finalmente, aprovou-se na Câmara Federal (25.03.2020) e no Senado Federal (31.01.2020), a Lei 13.989/2020. Em todos estes documentos, o caráter excepcional é destacado, a colocar em dúvida o futuro do tema.

Na sanção presencial, foi vetada a regra que autorizava as receitas médicas apresentadas em suporte digital, desde que possuam assinatura eletrônica ou digitalizada. É importante nesse sentido compreender que há uma larga diferença entre digitalizar uma receita, e usar mecanismos de segurança como a assinatura digital com certificados da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira. Finalmente, em 23.04.2020 o Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI) incluiu a validação digital de receitas e atestados médicos na ferramenta que permite certificar pela internet a autenticidade de documentos, permitindo maior nível de segurança.

Na prática é preciso que sejam criados protocolos nas diferentes especialidades, com a orientação específica sobre o consentimento, reconsultas, compartilhamento de dados clínicos. Decisões como gravar partes da consulta ou como proceder o consentimento são essenciais na migração para novas plataformas.

Como se observa, nos atendimentos feitos por meios virtuais os desafios são reais e a insegurança jurídica demanda adequadas estratégias para esclarecer e obter consentimento, gerir e proteger dados pessoais, bem como na própria relação médico paciente.

Gabriel Schulman

Advogado – Trajano Neto e Paciornik Advogados



[1] SCHULMAN, Gabriel. Tecnologias de telemedicina, Responsabilidade Civil e Dados Sensíveis. O princípio ativo da Proteção de Dados pessoais do paciente e os efeitos colaterais do coronavírus. In: ROSENVALD, Nelson et al. Coronavírus e Responsabilidade Civil. Indaiatuba: Editora Foco, 2020, p. 344-357.