Em 12 de março de 2019 o Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar o Recurso Especial nº 1.722.691-SP, entendeu que o herdeiro necessário que usa imóvel gratuitamente enquanto o autor da herança é vivo não deve ser compelido a devolver para os demais herdeiros necessários o valor que “economizou” morando no imóvel gratuitamente.
Inicialmente, cumpre observar que os herdeiros necessários/legítimos são os descendentes, os ascendentes e o cônjuge, nos termos do artigo 1.845 do Código Civil. Os descendentes são os filhos e na falta deles netos ou ainda os bisnetos. Já os ascendentes são os pais ou sucessivamente os avós ou bisavós.
O entendimento majoritário da doutrina e da jurisprudência é no sentido de que o (a) companheiro (a) também é herdeiro necessário, como se vê, por exemplo, de decisão da 3º Turma do STJ:
“a companheira, ora recorrida, é de fato a herdeira necessária do seu ex-companheiro” (STJ, REsp. n. 1.357.117/MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 13/3/2018, Data de Publicação: DJe 26/3/2018)
Salienta-se ainda que os herdeiros necessários tem direito a pelo menos metade da herança, conhecida como legítima, nos termos do art. 1789 do Código Civil e no momento da partilha devem ser trazidos à colação todos os valores doados pelo falecido antes de sua morte aos herdeiros necessários, conforme art. 2.002 do Código Civil.
A colação é instituto de direito material pelo qual o descendente pode trazer à partilha discussão sobre doações feitas em vida pelo ascendente comum a outro descendente a fim de garantir a igualdade de tratamento para todos os filhos.
Pois bem, no Recurso Especial nº 1.722.691, julgado pelo STJ em 12/03/2019, a controvérsia cingia-se sobre a necessidade de herdeira necessária (filha) que usou imóvel e vaga de garagem do falecido, em bairro nobre de São Paulo, por 20 anos, sem pagar qualquer valor, devolver aos demais filhos o valor que deixou de pagar à título de aluguel por todos esses anos.
A sentença de primeiro grau foi confirmada em segundo grau de jurisdição, no Tribunal de Justiça de São Paulo, entendendo-se que a herdeira não deveria devolver os referidos valores aos seus irmãos, pois a utilização do imóvel decorria de comodato e não de doação. O comodato é o empréstimo gratuito de coisa não fungível, ou seja, de bem que não pode ser substituído por outro igual, como um imóvel.
Inconformados com a decisão os herdeiros interpuseram Recurso Especial ao STJ aduzindo ofensa aos artigos 2.002 e 2010 do Código Civil e alegando que (i) qualquer liberalidade promovida pelo de cujus em favor de herdeiros necessários deve ser trazida à colação (ii) que a liberalidade no presente caso seria ceder o apartamento e a vaga de garagem à herdeira sem nenhuma contraprestação (iii) a colação não se limitaria a bens doados e e (iv) “se um dos herdeiros recebe de seus pais o benefício de morar sozinho em valioso apartamento sem nada pagar enquanto os outros herdeiros não recebem dos pais esse mesmo benefício e, assim, tem que se esforçar para ter sua própria moradia, não há igualdade de tratamento, especialmente igualdade de tratamento econômico“.
O Superior Tribunal de Justiça manteve a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo no sentido de que não há qualquer previsão no art. 2.002 do Código Civil de devolução de valores recebidos por efeito de comodato, mas tão somente de doação:
“não se pode confundir comodato, que é o empréstimo gratuito de coisas não fungíveis, com a doação, mediante a qual uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra. Com efeito, somente a doação transfere a propriedade do bem, tendo, por isso, o condão de provocar eventual desequilíbrio entre as quotas-partes atribuídas a cada herdeiro necessário (legítima), importando, por isso, em regra, no adiantamento do que lhe cabe por herança”. (STJ, REsp: 1722691 SP 2016/0064087-4, Relator: Ministro Paulo De Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 12/03/2019, Data de Publicação: DJe 15/03/2019)
No mesmo sentido o STJ entendeu não haver violação ao artigo 2.010 do Código Civil, pois o comodato não pode ser considerado como gasto não ordinário:
“o comodato, embora gratuito, não pode ser confundido com a doação, pois não há transferência da propriedade do bem para o comodatário, mas mera cessão temporária da coisa para uso e gozo, o empréstimo gratuito também não pode ser considerado “gasto não ordinário”, na medida em que a autora da herança nada despendeu em favor de uma das herdeiras a fim de justificar a necessidade de colação, uma vez que, repita-se não há se cogitar em antecipação da legítima” (STJ, REsp: 1722691 SP 2016/0064087-4, Relator: Ministro Paulo De Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 12/03/2019, Data de Publicação: DJe 15/03/2019)
Por fim, o STJ também salientou que eventual desigualdade de tratamento materno-filial foge do âmbito do direito sucessório.
Sendo assim, conclui-se que o empréstimo gratuito de imóveis (comodato) realizado pelos pais, enquanto vivos, em favor de apenas um dos filhos não poderá ser discutido posteriormente no momento da partilha dos bens.
Bruna de Abreu e Silva
Advogada – Trajano Neto e Paciornik Advogados