Em decorrência da greve dos caminhoneiros ocorrida no ano de 2018, o governo foi forçado a atender as demandas da classe com o intuito de reestabelecer o abastecimento do País. Dentre as reivindicações atendidas, a mais noticiada – e que afetou diretamente a arrecadação aos cofres federais – foi a redução do preço do óleo diesel por meio de uma precificação forçada.
Assim, com o intuito de reduzir o impacto sofrido pelos cofres públicos foi editada a Lei nº 13.670/2018, com sua publicação realizada na véspera do feriado do Corpus Christi, 30/05/2018, o qual alterou significativamente as normas relacionadas à Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (CPRB) e à compensação de tributos federais.
Referido diploma possuía como principal objetivo reonerar a folha de pagamentos para grande parte dos setores da economia, revogando a desoneração em seu artigo 1º, bem como estabelecer prazo máximo à desoneração usufruída pelos setores não abarcados pela revogação, quais sejam: calçados, call center, comunicação, confecção/vestuário, construção civil, construção e obras de infraestrutura, couro, fabricantes de veículos e carroçarias, máquinas e equipamentos, proteína animal, têxtil, TI – Tecnologia da informação, TIC – Tecnologia de Comunicação, projetos de circuitos integrados, transporte metroferroviário de passageiros, transporte rodoviário coletivo e transporte rodoviário de cargas.
Diante disso, os setores da economia que possuíam a desoneração da folha de pagamento conferida sem prazo de limitação tiveram o seu benefício fiscal revogado ou limitado até o ano de 2021, para os casos específicos acima referidos.
Ainda, a mesma Lei em seu artigo 6º alterou a redação do artigo 74 da Lei nº 9.430/1996, consequentemente vetando, da data da publicação em diante, que os débitos relativos ao recolhimento do IRPJ e da CSLL, realizados por meio de estimativa mensal, fossem compensados com créditos de que o contribuinte seja titular.
Ambas as alterações padecem de graves ilegalidades e violações aos princípios constitucionais vigentes, pois desrespeitam os princípios da anterioridade e da segurança jurídica, em razão de aumentar a carga tributária dos contribuintes e alterar as regras arrecadatórios tanto para a apuração por estimativa do IRPJ e CSLL quanto à CPRB.
Assim, o contribuinte que opta pelo lucro real e com apuração mensal por meio de estimativa, o faz de forma irretratável, abrangendo a integralidade do ano calendário. Da mesma forma, as empresas que optaram pela CPRB o fizeram também de forma irretratável e concernente a todo o ano calendário, como bem estabelecia o §13 do artigo 9º da Lei nº 12.546/11.
Constitucionalidade
Visto isso, torna-se muito clara a violação aos princípios constitucionais, uma vez que o contribuinte antecipadamente realiza o planejamento fiscal de seu ano com base nas leis então vigentes e, na sequência, é surpreendido com o teor de uma legislação com caráter político/arrecadatório que altera integralmente as regras do jogo, em prejuízo dos contribuintes que se encontram impedidos de realizar a mudança no regime de apuração dos tributos.
Portanto, a Lei em comento deveria minimante ter aplicação apenas no exercício seguinte ao de sua publicação, com o objetivo de proporcionar ao contribuinte a capacidade de planejamento prévio e uma escolha fundamentada.
Por essa razão, não se pode admitir tais alterações no meio do exercício fiscal, em respeito aos princípios da segurança jurídica, da proteção à confiança legítima e da anterioridade anual. Esses mesmos princípios já foram invocados por contribuintes para debater judicialmente as referidas alterações, alguns obtendo decisões liminares favoráveis.
Ademais, as ilegalidades decorrentes da referida Lei não param nas situações violadoras dos princípios constitucionais, mas estendem-se a situações sequer mencionadas no instrumento normativo.
No caso do contribuinte que optou pela apuração do IRPJ e CSLL pelo lucro real, fazendo os recolhimentos mensais pelo balancete de redução ou suspensão, esse também teve seu direito aos abatimentos limitado.
Essa apuração poderá ser feita de forma trimestral ou anual. Assim, para o contribuinte que escolher realizar pela modalidade anual, terá o ajuste de lucro feito sempre em dezembro do ano calendário para fins de apuração do lucro efetivo da empresa em relação a todo o exercício. Nesse meio tempo, a empresa deve recolher aos cofres públicos valores a título de antecipação mensal, na forma de estimativas ou utilizando balancetes de suspensão ou redução de tais estimativas.
Portanto, existem duas formas de apurar essas antecipações, quais sejam: (i) mediante a aplicação de percentuais estimados/presumidos sobre a receita (art. 2º da Lei nº 9.430/1996); ou (ii) mediante a apuração em balancetes de suspensão e redução (art. 35 da Lei nº 8.981/1995).
A aplicação de percentuais estimados é a operação mensal que o contribuinte pode fazer para apurar a base de cálculo do IRPJ e da CSLL, sendo essa uma estimativa de lucro apurado com base em percentuais (entre 8% e 32%) variáveis de acordo com atividade da empresa, como delimita o contido no artigo 2º da Lei nº 9430/1996.
Já a apuração por meio de balanços ou balancetes, conforme a previsão trazida pelo artigo 35 da Lei nº 8.981/1995, nada mais é do que a demonstração do valor acumulado já pago a título de estimativa do tributo durante um certo período de tempo, ou seja, o balanço será considerado de suspensão quando: (i) suspensão do imposto, desde que demonstre que o valor do imposto devido, calculado com base no lucro real do período em curso, é igual ou inferior à soma do imposto de renda pago, correspondente aos meses do mesmo ano-calendário, anteriores àquele a que se refere o balanço ou balancete levantado e (ii) de redução quando o imposto, desde que o valor do montante correspondente à diferença positiva entre o imposto devido no período em curso, e a soma do imposto de renda pago, correspondente aos meses do mesmo ano-calendário, anteriores àquele a que se refere o balanço ou balancete levantado.
Assim, a pessoa jurídica poderá suspender ou reduzir o pagamento do tributo devido em cada mês, desde que demonstre, através de balanços ou balancetes mensais, que o valor acumulado já pago excede o valor da exação, inclusive adicional, calculado com base no lucro real do período em curso, conforme previsto no RIR/99 no Art. 230.
Legislação
Entretanto, como a recente alteração promovida pela Lei nº 13.670/2018 vedou a compensação de débitos de estimativa mensal de IRPJ e CSLL, ao incluir dentre as restrições o inciso IX, do art. 74, da Lei nº 9.430/1996, restaria apenas ao contribuinte a opção de realizar as antecipações por meio do balancete de suspensão ou redução, porquanto inexiste qualquer vedação legal trazida pelo novo diploma legislativo em relação a essa segunda modalidade de antecipação.
Ao se analisar a Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil nº 1.810/2018, que regulamentou o novo diploma, não se encontra contexto diferente que possa indicar uma vedação à compensação do IRPJ e da CSLL apurada via balancete de redução ou suspensão.
Em sendo assim, inexiste qualquer barreira legal que pudesse impedir o contribuinte de ainda realizar as compensações dos créditos de IRPJ e da CSLL, desde que auferidos pela modalidade prevista no artigo 35 da Lei nº 8.981/1995 (balanço de redução ou suspensão).
Entretanto, é nesse ponto que a Lei nº 13.670/2018 gera violações reflexas, uma vez que desde sua alteração o contribuinte ficou impedido de operacionalizar as compensações dos débitos apurados pelo sistema PER/DCOMP, tendo em vista que o sistema não permite a transmissão da declaração. Isso ocorre pelo fato de as apurações por estimativa e por balancete de redução/suspensão possuírem o mesmo código. Ou seja, ao impedir a compensação realizada quando se apura o adiantamento por estimativa, a compensação a ser realizada por meio de balancetes também fica prejudicada.
Diante disso, nos casos em que se realiza a apuração do IRPJ e da CSLL por meio de balanços de suspensão ou redução inexistiria qualquer vedação quanto ao procedimento, porém, independente disso, o Fisco em sua ânsia arrecadatória vem impondo a restrição na prática, pois impede a transmissão da declaração de compensação, violando de forma explicita o princípio da legalidade.
Em conclusão entende-se que as alterações trazidas pela Lei nº 13.670/2018, tanto em relação a situação da CPRB quanto no pertinente à apuração mensal IRPJ e da CSLL por meio de estimativas ou balancetes, encontram-se em violação a diversos princípios constitucionais, podendo ser questionadas na esfera judicial pelos contribuintes que se sentirem lesados.
Ravi Petrelli Paciornik
Advogado – Trajano Neto e Paciornik Advogados