A Lei nº 14.112/2020, publicada no Diário Oficial no final do ano passado e que entrará em vigor no dia 25, trouxe diversas mudanças na Lei nº 11.101/2005 (Lei de Recuperação Judicial e Falência – “LRF”). A reforma promete modernizar os processos de recuperação judicial e falência, e já tem um impacto muito positivo no cenário de soerguimento empresarial no país.
Uma das novidades trazidas pela nova legislação diz respeito à concessão de financiamento para empresas em processo de recuperação judicial. É o chamado “financiamento DIP”, ou “DIP Finance”. Amplamente utilizado nos Estados Unidos, de onde “importamos este instituto”, até então é pouco explorado no Brasil. Isso porque, a Lei nº 11.101/2005 trazia em seu texto poucas normativas que balizavam a aplicação dessa ferramenta, sem fornecer aos possíveis investidores a segurança jurídica e garantias necessárias à concessão de financiamento a empresas em processo de recuperação.
Os artigos 67 e 83 da Lei 11/101/2005 já traziam a regra de prioridade no recebimento dos créditos oriundos de financiamentos concedidos durante o processo de recuperação judicial em caso de falência.
A Lei 14.112/2020, por sua vez, reservou uma seção inteira para disciplinar o tema (Seção IC-A – “Do Financiamento do Devedor e do Grupo Devedor durante a Recuperação Judicial”). O art. 69-A começa por definir de forma clara o procedimento para concessão do financiamento, destacando que, após ouvido o Comitê de Credores, o Juiz poderá autorizar a celebração de contratos de financiamento com o devedor, garantidos pela oneração ou pela alienação fiduciária de bens e direitos, seus ou de terceiros, pertencentes ao ativo não circulante, para financiar as suas atividades e as despesas de reestruturação ou de preservação do valor de ativos.
A nova legislação possibilita, ainda, a constituição de garantias em favor do credor financiador, inclusive sobre bem do devedor que já se encontrava garantido a outro credor, dispensando a anuência do detentor da garantia original, posicionamento este que vai de encontro ao até então disposto na Lei 11.101/2005, que conferia poder absoluto ao credor detentor de garantia real, e cuja ausência de expressa anuência deste acarretaria na ineficácia da nova garantia.
Esse talvez fosse o maior desincentivo aos possíveis investidores, pois a ausência de normativas específicas que estimulassem o financiamento de empresas em recuperação judicial trazia grande incerteza quanto à possibilidade de recuperação desse crédito em momento posterior.
A normativa também prevê que eventual reforma da decisão que autoriza a contratação do financiamento, após o desembolso pelo financiador, não afetará a natureza extraconcursal e as garantias do crédito.
Além disso, a nova Lei possibilita a concessão do financiamento por qualquer pessoa, inclusive credores, sujeitos ou não à recuperação judicial, familiares e sócios integrantes do próprio grupo devedor, autorizando que a garantia seja fornecida também por qualquer pessoa ou entidade, inclusive o próprio devedor e os demais integrantes do seu grupo, estejam ou não em recuperação judicial, mediante a oneração ou a alienação fiduciária de bens e direitos.
O objetivo da nova normativa é, sobretudo, viabilizar a atividade empresarial e equacionar o fluxo de caixa, possibilitando assim atingir o objetivo principal do instituto, trazendo maior segurança não somente aos investidores como também às empresas em recuperação, já que a grande maioria delas necessita de novos recursos com liquidez e de forma imediata, pois, via de regra, encontram-se assoberbadas em dívidas de curto e médio prazo.
A expectativa é que a nova regra estimule também um setor de mercado em franca ascensão em âmbito global, principalmente com a crise instaurada pela pandemia do novo coronavírus: as empresas de investimentos especializadas nos denominados “ativos estressados” (distressed assets).
Trata-se, portanto, de um novo mercado que provavelmente atrairá inúmeros investidores que buscam financiar empresas em recuperação com grande potencial de viabilidade econômica no cenário pós crise.
Renata Almeida Alves
Advogada – Trajano Neto e Paciornik Advogados