A 4ª turma do STJ, em julgamento ocorrido em 06/02/2019, negou provimento ao Agravo em Recurso Especial de Seguradora que pretendia afastar o pagamento da integralidade da Cobertura para IPA – Invalidez Permanente Total e Parcial por Acidente – com vistas ao contrato de Seguro de Vida em Grupo contratado pela Empresa Estipulante em prol de seus funcionários.
No AgResp Nº 1.427.661 – PR, de Relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, foi afirmado, de forma sucinta, que caso comprovada a falta de informação quanto os limites da cobertura, bem como da diferenciação entre Invalidez Permanente Parcial ou Total, a Seguradora deve ser compelida contratualmente ao adimplemento da integralidade da Cobertura contratada, independentemente do grau da lesão apontada em anterior instrução processual, opor intermédio de perícia médica direta.
No entanto, necessário frisar que em outras situações análogas, igualmente enfrentadas pelo STJ no Recurso Especial Nº 1.727.718 – MS, julgado em 08/05/2018, o Ministro Relator Ricardo Villas Boas Cueva, havia expressamente manifestado voto contrário à interpretação da 4ª Turma da Corte Especial, à luz das clausulas do próprio contrato de Seguro, bem como coadunando com os ditames dos artigos 11 e 12 da Circular SUSEP 302/2005, que regulam o tema:
Seção III
Da Cobertura de Invalidez Permanente por Acidente
Art. 11. A cobertura de invalidez permanente por acidente garante o pagamento de uma indenização relativa à perda, à redução ou à impotência funcional definitiva, total ou parcial, de um membro ou órgão por lesão física, causada por acidente pessoal coberto.
Art. 12. Após conclusão do tratamento, ou esgotados os recursos terapêuticos disponíveis para recuperação, e constatada e avaliada a invalidez permanente quando da alta médica definitiva, a sociedade seguradora deve pagar uma indenização, de acordo com os percentuais estabelecidos nas condições gerais e/ou especiais do seguro.
1º Não ficando abolidas por completo as funções do membro ou órgão lesado, a indenização por perda parcial é calculada pela aplicação, à percentagem prevista no plano para sua perda total, do grau de redução funcional apresentado.
2º Na falta de indicação exata do grau de redução funcionalapresentado, e sendo o referido grau classificado apenas como máximo, médio ou mínimo, a indenização será calculada, na base das percentagens de 75%, 50% e 25%, respectivamente.
3º Nos casos não especificados no plano, a indenização é estabelecida tomando-se por base a diminuição permanente da capacidade física do segurado, independentemente de sua profissão.
4º Quando do mesmo acidente resultar invalidez de mais de um membro ou órgão, a indenização deve ser calculada somando-se as percentagens respectivas, cujo total não pode exceder a 100% (cem por cento).
5º Havendo duas ou mais lesões em um mesmo membro ou órgão, a soma das percentagens correspondentes não pode exceder à da indenização prevista para sua perda total.
6º Para efeito de indenização, a perda ou maior redução funcional de um membro ou órgão já defeituoso antes do acidente, deve ser deduzida do grau de invalidez definitiva.
7º A perda de dentes e os danos estéticos não dão direito à indenização por invalidez permanente.” (grifou-se)
Com relação à argumentação do Ministro Relator Luis Felipe Salomão, com vistas a compelir a Seguradora ao pagamento da integralidade da importância segurada e de forma indiscriminada, ou seja, independentemente da lesão incapacitante com origem em acidente pessoal coberto ser total ou parcial, portanto, vinculou-se à falta de provas da Seguradora de que o Segurado/Beneficiário teve ciência dos termos exatos dos clausulados no contrato, seguindo a lógica estabelecida no Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 54, § 4º – o qual trata especificadamente da condição de destaque das cláusulas limitativas dos direitos do consumidor.
Na contramão deste posicionamento da Corte Superior, cite-se novamente a legislação da SUSEP acerca do entrave:
CIRCULAR SUSEP No 302, de 19 de setembro de 2005.
Dispõe sobre as regras complementares de funcionamento e os critérios para operação
das coberturas de risco oferecidas em plano de seguro de pessoas, e dá outras providências.
(…)
Art. 11. A cobertura de invalidez permanente por acidente garante o pagamento de uma indenização relativa à perda, à redução ou à impotência funcional definitiva, total ou parcial, de um membro ou órgão por lesão física, causada por acidente pessoal coberto.
Logo, o objetivo da Cobertura para Invalidez Permanente Total ou Parcial por Acidente, é garantir ao segurado uma indenização proporcional ao valor de ATÉ 100% (cem por cento) do valor do capital segurado contratado para esta garantia de acordo com a tabela para cálculo de percentuais de indenização em caso de invalidez por acidente, caso ocorra a perda, redução ou impotência funcional definitiva, total ou parcial, de um membro ou órgão por lesão física, causada por acidente pessoal coberto ocorrido durante a vigência do Seguro.
Não bastando, importante mencionar que grande parte dos Contratos de Seguro de Vida em Grupo são regidos pela espécie não contributária quanto o pagamento do prêmio, ou seja, a própria Estipulante/Empresa Empregadora é quem arca com 100% (cem por cento) do valor do prêmio necessário ao custeio do Seguro durante seu prazo de vigência pré-definido.
Nesse sentido, saliente-se que os Segurados/Beneficiários são, na realidade, mero beneficiários do contrato, primeiramente por não arcarem com qualquer pagamento de prêmio e na hipótese de caracterização de algum dos riscos assumidos pela Seguradora, cujas cláusulas obviamente devem ser analisadas restritivamente, sob pena de alteração do equilíbrio contratual pautado em estrito cálculo atuarial com vistas às coberturas contratadas e valores máximos indenizáveis previstos no contrato.
Sob esta ótica, o contrato de Seguro de Vida em Grupo ou Coletivo, no qual foi celebrado pelo empregador do acidentado/beneficiário, denominado de estipulante, possui por premissa a estipulação por pessoa natural ou jurídica em proveito de grupo que a ela se vincule, sendo que o estipulante não representa do segurado, mas é o único responsável, para com o segurador, pelo cumprimento de todas as obrigações contratuais:
Art. 801. O seguro de pessoas pode ser estipulado por pessoa natural ou jurídica em proveito de grupo que a ela, de qualquer modo, se vincule.
- 1º O estipulante não representa o segurador perante o grupo segurado, e é o único responsável, para com o segurador, pelo cumprimento de todas as obrigações contratuais. (grifo nosso)
Nesta seara, é importante mencionar que é obrigação do estipulante é fornecer ao segurado, sempre que solicitado, quaisquer informações relativas ao contrato de seguro.
Ademais, tal responsabilidade consta convencionada na Resolução CNSP nº 107 de 2004, artigo 3º, III, que esclarece as obrigações do estipulante, e dentre elas consta expressamente que é obrigação da contratante/estipulante em fornecer ao segurado/empregados todas as informações pertinentes ao contrato de seguro:
Art. 3º. Constituem obrigações do estipulante:
(…)
III – fornecer ao segurado, sempre que solicitado, quaisquer informações relativas ao contrato de seguro; (…)
Neste sentido, eis a jurisprudência:
CONSUMIDOR. COBRANÇA DE SEGURO DE VIDA EM GRUPO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. CONTRATO REGIDO PELO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. DIREITO À INFORMAÇÃO. CONTRATAÇÃO INTERMEDIADA POR ESTIPULANTE, QUE AGE COMO MANDATÁRIA DO SEGURADO PERANTE A SEGURADORA (ART. 21, § 2º, DO DECRETO-LEI N. 73/1966). DEVER DE INFORMAR O SEGURADO QUE, NESSE CASO, PERTENCE À ESTIPULANTE (ART. 3º, III, DA RESOLUÇÃO N. 107/2004 DO CNSP). PRECEDENTES. MODALIDADE CONTRATUAL PREVISTA EM LEI (ART. 801, CÓDIGO CIVIL) E COMPATÍVEL COM OS ARTS. 6º, III, E 14 DO CDC. CONDIÇÕES GERAIS PLENAMENTE APLICÁVEIS. INVALIDEZ DECORRENTE DE DOENÇA OCUPACIONAL. PRETENDIDA A EQUIPARAÇÃO AO CONCEITO DE “ACIDENTE PESSOAL”. IMPOSSIBILIDADE. EXPRESSA EXCLUSÃO CONTRATUAL. REDAÇÃO EM DESTAQUE (ART. 54, § 4º, CDC). PACTO REDIGIDO NO PADRÃO DAS NORMAS DA SUSEP E DO CNSP (RESOLUÇÃO N. 117/2004). LEGALIDADE E CONSTITUCIONALIDADE DE TAIS RESOLUÇÕES. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DOS RISCOS PREDETERMINADOS (ART. 757, CÓDIGO CIVIL). INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 47 DO CDC. PRECEDENTES. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. EVENTUAL PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL IRRELEVANTE PARA O DESFECHO DA LIDE. NULIDADE NÃO VERIFICADA. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. SENTENÇA MANTIDA. FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS RECURSAIS. RECURSO DESPROVIDO. 1. A estipulante, na contratação do seguro em grupo, age como mandatária (representante) do segurado perante a seguradora, e em seu nome realiza os atos necessários à celebração do seguro (art. 21, § 2º, do Decreto-Lei n. 73/1966). Nessa modalidade, portanto, quem possui a obrigação de informar o segurado acerca das disposições contratadas é a estipulante. Assim prevê o art. 3º, inciso III, da Resolução n. 107/2004 do CNSP, segundo o qual é obrigação da estipulante – e não da seguradora – “fornecer ao segurado, sempre que solicitado, quaisquer informações relativas ao contrato de seguro”. 2. Salvo disposição contratual em sentido contrário, a doença ocupacional não pode ser equiparada ao conceito de “acidente pessoal” previsto nos contratos de seguro de pessoas. 3. A essência do contrato de seguro é a predeterminação dos riscos (art. 757, Código Civil), razão pela qual estes devem ser interpretados de modo restritivo, pois ampliá-los pela via interpretativa seria o mesmo que indeterminá-los. (TJ-SC – AC: 03096775920158240018 Chapecó 0309677-59.2015.8.24.0018, Relator: Marcus Tulio Sartorato, Data de Julgamento: 15/08/2017, Terceira Câmara de Direito Civil) (grifo nosso)
Logo, resta claro que cabe ao estipulante em fornecer toda a documentação referente ao seguro ao seu funcionário segurado, não sendo possível que a Seguradora seja obrigada a pagar por qualquer dano não assumido quando da contratação do seguro, ou simplesmente ser compelida ao pagamento securitário de valor que supere os termos do contrato.
Alexandre Ehlke Roda
Advogado – Trajano Neto e Paciornik Advogados