Por: Ian Cit, TNP Advogados

O Fundo de Renovação da Marinha Mercante (FMM) foi criado pela Lei nº 10.893/2004 e é administrado pelo BNDES. Seu objetivo é financiar o desenvolvimento da Marinha Mercante e da indústria de construção e reparação naval no Brasil.

Os recursos do FMM vêm, principalmente, do Adicional de Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM). Esse adicional é um tributo cobrado sobre o frete de embarcações que operam em portos brasileiros e tem a finalidade de estimular o setor naval.

Qual é o problema da tributação sobre esses recursos?

Antes da publicação da Medida Provisória nº 1.185/2023, convertida na Lei nº 14.789/2023, havia um consenso de que esses valores não deveriam ser tributados pelo IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, pois não eram considerados parte da receita ou do lucro das empresas beneficiadas.

Porém, a partir de 1º de janeiro de 2024, com a nova lei, a Receita Federal passou a considerar esses recursos como tributáveis, o que gerou um impasse.

Por que a tributação é ilegal?

A legislação específica sempre tratou esses recursos como subvenção para investimento, ou seja, valores destinados a um objetivo específico, não sendo receita bruta das empresas. Tanto o artigo 68 da Lei nº 4.506/1964 quanto o artigo 472 do Regimento do Imposto de Renda deixam claro que os valores do FMM não podem ser incluídos na base de cálculo dos tributos federais.

E a inconstitucionalidade?

O AFRMM tem uma finalidade econômica e estratégica definida pela Constituição: fomentar o setor naval. Como esses valores são vinculados a um objetivo específico e não podem ser usados livremente pelas empresas, tributá-los descaracteriza sua finalidade, indo contra o que determina a Constituição Federal.

Leia o artigo completo

Instituído pela Lei nº 10.893 de 10/07/2004, o Fundo de Renovação da Marinha Mercante (“FMM”) é um fundo de natureza contábil administrado pelo BNDES, destinado a prover recursos para o desenvolvimento da (i) Marinha Mercante e da (ii) indústria de construção e reparação naval[1].

Os recursos do FMM são provenientes, majoritariamente, dos valores recolhidos a título de Adicional de Frete para Renovação da Marinha Mercante (“AFRMM”), cujo fato gerador é o início efetivo da operação de descarregamento da embarcação em porto brasileiro. Este tributo, cobrado dos tomadores de serviço sobre o frete cobrado pelas empresas nacionais e estrangeiras de navegação, possui natureza jurídica de Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE), conforme disciplinado pelo Art. 1º do Decreto-Lei n 2.404/1987[2].

Por ser uma CIDE, sua finalidade constitucional é possibilitar ao Estado Brasileiro subsidiar o desenvolvimento da indústria e comércio naval, cujos recursos provenientes da AFRMM são centralizados no FMM e disponibilizados às empresas que exercem atividade de Marinha Mercante (navegação).

Neste contexto, tem-se que as verbas repassadas pelo FMM às empresas elegíveis possuem natureza contábil de subvenções para investimento, conforme entendimento esposado pela RFB na Solução de Consulta COSIT de nº 124/2020:

Assunto: Contribuição para o PIS/Pasep

NÃO CUMULATIVIDADE. RECURSOS DO AFRMM. EMPRESA BRASILEIRA DE NAVEGAÇÃO.
A destinação de recursos do Adicional ao Frete para a Renovação da Marinha Mercante (AFRMM) a uma empresa brasileira de navegação, para utilização nos termos do art. 19, inciso I, da Lei nº 10.893, de 2004, caracteriza-se como espécie de subvenção governamental; tal subvenção, no entanto, não pode ser classificada genericamente como subvenção para investimento, devendo-se verificar em cada situação específica de utilização do recurso se foram observadas todas as condições para que haja o enquadramento nesse tipo especial de subvenção.
Os recursos do AFRMM destinados a uma empresa brasileira de navegação, nas hipóteses em que possam ser classificados como subvenção para investimento, não integrarão a base de cálculo da Contribuição para o PIS/Pasep, no regime de apuração não cumulativa. Caso se enquadrem como subvenção corrente, para custeio ou operação, os valores recebidos devem ser acrescidos à base de cálculo da referida contribuição, em seu regime não cumulativo.
SOLUÇÃO DE CONSULTA PARCIALMENTE VINCULADA À SOLUÇÃO DE CONSULTA COSIT Nº 365, DE 17 DE DEZEMBRO DE 2014, PUBLICADA NO D.O.U. DE 12 DE JANEIRO DE 2015.
Dispositivos Legais: Lei nº 12.973/2014, arts. 30 e 54; Lei nº 10.893/2004, arts. 1º, 3º, 17, 19 e 26; Lei nº 10.637/2002, arts. 1º, § 3º, inciso X, e 8º, inciso II; PN CST nº 112/1978.
Assunto: Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – Cofins

NÃO CUMULATIVIDADE. RECURSOS DO AFRMM. EMPRESA BRASILEIRA DE NAVEGAÇÃO.
A destinação de recursos do Adicional ao Frete para a Renovação da Marinha Mercante (AFRMM) a uma empresa brasileira de navegação, para utilização nos termos do art. 19, inciso I, da Lei nº 10.893, de 2004, caracteriza-se como espécie de subvenção governamental; tal subvenção, no entanto, não pode ser classificada genericamente como subvenção para investimento, devendo-se verificar em cada situação específica de utilização do recurso se foram observadas todas as condições para que haja o enquadramento nesse tipo especial de subvenção.
Os recursos do AFRMM destinados a uma empresa brasileira de navegação, nas hipóteses em que possam ser classificados como subvenção para investimento, não integrarão a base de cálculo da Cofins, no regime de apuração não cumulativa. Caso se enquadrem como subvenção corrente, para custeio ou operação, os valores recebidos devem ser acrescidos à base de cálculo da referida contribuição, em seu regime não cumulativo.
SOLUÇÃO DE CONSULTA PARCIALMENTE VINCULADA À SOLUÇÃO DE CONSULTA COSIT Nº 365, DE 17 DE DEZEMBRO DE 2014, PUBLICADA NO D.O.U. DE 12 DE JANEIRO DE 2015.
Dispositivos Legais: Lei nº 12.973/2014, arts. 30 e 55; Lei nº 10.893/2004, arts. 1º, 3º, 17, 19 e 26; Lei nº 10.833/2003, arts. 1º, § 3º, inciso IX, e 10, inciso II; PN CST nº 112/1978.

Até a publicação da MP nº 1.185/2023, convertida na Lei nº 14.789/2023 – que dispõe sobre o regime tributário do crédito fiscal decorrente de subvenção para implantação ou expansão de empreendimento econômico -, era pacífico o entendimento de que essas verbas não comporiam a receita e/ou lucro das empresas que recebem os recursos, não sendo tributadas, portanto, pelo IRPJ, CSLL e pelo PIS/COFINS.

Contudo, a partir da produção de efeitos da Lei 14.789/2023 em 01/01/2024, a administração tributária federal passou a adotar o entendimento de que esses recursos devem ser computados para fins de incidência dos referidos tributos federais.

Mesmo com a confirmação da natureza das verbas do FMM como sendo de subvenção para investimento, bem como a Lei 14.789/2023 definiu o regime tributável das subvenções, por força da especialidade do Art. 68 da Lei 4.506/1964 (Lei do IR) e do Art. 472 do RIR, esses valores não podem ser compreendidos como receita bruta operacional para fins de incidência do PIS/COFINS e muito menos como lucro líquido para incidência do IRPJ e CSLL.

Referido artigo dispõe expressamente que para os efeitos da tributação, as importâncias recebidas pelas empresas de navegação nos termos do art. 8º da Lei nº 3.381, de 1958, correspondentes à Taxa de Renovação da Marinha Mercante, não integrarão a receita bruta operacional.

 Neste mesmo sentido, o Art. 472 do Regimento do Imposto de Renda (“RIR”) estabelece especificamente que as importâncias destinadas aos armadores e às empresas nacionais de navegação, correspondentes ao Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante – AFRMM, de acordo com o disposto no Decreto-Lei nº 1.801, de 18 de agosto de 1980, não integrarão a receita bruta das vendas e dos serviços.

A receita bruta operacional é composta pelas vendas e pelas prestações de serviços, sendo a importância global que baliza a apuração do resultado de exercício e, após as respectivas adições, deduções, compensações e exclusões previstas em Lei, a apuração do lucro líquido que servirá de base de cálculo do IRPJ e da CSLL.

Justamente pela literalidade da legislação, não é possível que os valores provenientes do FMM componham a base de cálculo do IRPJ e da CSLL, pois não integram a receita bruta da empresa e seu resultado/lucro.

Tal literalidade também alcança o PIS/COFINS, visto que seu fato gerador é o auferimento de receita bruta operacional, na forma do Decreto-Lei 1598/77.

Portanto, o que se verifica é que a vontade clara do legislador é que os investimentos provenientes do FMM não sofram qualquer tributação, até porque a Lei nº 14.789/2023 não revogou o Art. 68 da Lei 4.506/1964.

Por outro lado, mesmo sendo clara a ilegalidade da incidência do IRPJ, CSLL e PIS/COFINS, é de rigor salientar que os valores do FMM provêm da arrecadação do AFRMM, que é uma contribuição de finalidade constitucional de fomento à marinha mercante.

Logo, existem contrapartidas a serem rigorosamente atendidas pelos beneficiários, que não podem aplicar os recursos livremente à sua discricionariedade. Ao tributar livremente esses valores, é dizer que os valores se enquadram como uma receita qualquer, violando a finalidade estabelecida pela própria Constituição Federal.

A conclusão, portanto, é que a tributação sobre os recursos provenientes do FMM é:

  • ILEGAL, por haver lei específica estabelecendo que os recursos não são receita bruta, bem como a Lei nº 14.789/2023 não revogou o Art. 68 da Lei 4.506/1964; e
  • INCONSTITUCIONAL, por violar a finalidade constitucional da AFRMM.

[1] Lei 10.893/04

[…]

Art. 22. O FMM é um fundo de natureza contábil, destinado a prover recursos para o desenvolvimento da Marinha Mercante e da indústria de construção e reparação naval brasileiras.

[2] Decreto-Lei 2.404/87

[…]

Art. 1° O Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM) destina-se a atender aos encargos da intervenção da União nas atividades de navegação mercante nos termos deste decreto-lei.