Por Beatriz de Oliveira Reis
Em uma decisão relevante para o sistema tributário brasileiro, o Supremo Tribunal Federal (STF) validou, em 9 de setembro de 2024, o Convênio do Confaz (Convênio ICMS nº 134/16), estabelecendo que instituições financeiras devem fornecer informações sobre transações bancárias de seus clientes para fins de fiscalização do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), sem que isso constitua quebra de sigilo bancário. A decisão reitera o entendimento de que tais medidas são essenciais para assegurar a arrecadação tributária.
O julgamento ocorreu no âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 7276, movida pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro (CONSIF), que questionava a constitucionalidade de várias cláusulas do Convênio do Confaz. Entre as principais disposições impugnadas, estão as que obrigam a comunicação de informações relacionadas a transações feitas com cartões de débito, crédito, private label, transferências bancárias e o Sistema de Pagamento Instantâneo (PIX), abrangendo tanto pessoas físicas quanto jurídicas, mesmo sem a inscrição formal no cadastro de contribuintes do ICMS.
Por maioria de votos, o STF considerou que a obrigação de repassar esses dados ao Fisco não viola o sigilo bancário, uma vez que o objetivo é garantir a correta arrecadação de tributos estaduais e o combate à sonegação fiscal. A relatora, Ministra Cármen Lúcia, destacou que o acesso a essas informações visa exclusivamente à fiscalização tributária e não configura uma quebra indevida de privacidade.
No entanto, a decisão, embora significativa, levanta discussões sobre os limites do Estado no acesso a dados pessoais, como apontado pelo Ministro Gilmar Mendes em seu voto divergente. Para ele, o Convênio do Confaz carece de mecanismos adequados de controle, que garantam a proteção dos direitos constitucionais dos cidadãos, especialmente no que diz respeito à privacidade e ao sigilo bancário. Mendes argumentou que a ausência de autorização judicial ou administrativa para o acesso às informações cria um cenário vulnerável a abusos e possíveis violações de direitos fundamentais.
A questão do sigilo bancário está intrinsecamente ligada à garantia constitucional da inviolabilidade da intimidade e do sigilo de dados, previstos no artigo 5º, incisos X e XII, da Constituição Federal. Embora o STF tenha reconhecido a importância de uma fiscalização tributária eficaz, a decisão também chama a atenção para a necessidade de um equilíbrio entre a eficiência fiscal e a proteção dos direitos individuais.
Outro ponto de debate diz respeito ao impacto dessa decisão frente à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que rege o uso e compartilhamento de informações pessoais no Brasil. A decisão do STF impõe desafios para as instituições financeiras, que agora precisam ajustar suas práticas de coleta e repasse de dados à luz tanto das exigências do Convênio do Confaz quanto das disposições da LGPD, que preza pela proteção da privacidade dos cidadãos.
Com a confirmação da constitucionalidade do Convênio do Confaz, as instituições financeiras devem adaptar-se rapidamente às novas exigências, garantindo que estejam em conformidade com as normas tributárias e fiscais estabelecidas. Além disso, essa decisão marca um importante avanço no combate à sonegação fiscal, oferecendo ao Fisco ferramentas mais eficazes para monitorar as transações financeiras e garantir uma maior transparência nas operações econômicas.
Entretanto, o preço a ser pago por essa transparência pode ser alto, uma vez que o acesso irrestrito às informações financeiras pode representar uma ingerência excessiva do Estado sobre a vida privada dos cidadãos. A falta de um mecanismo de controle rigoroso sobre o uso desses dados pode abrir precedentes para potenciais abusos e, consequentemente, para graves violações de direitos fundamentais.
Por fim, o voto divergente do Ministro Gilmar Mendes alerta para a necessidade de uma regulamentação mais robusta, que assegure a proteção do sigilo bancário e garanta que o acesso às informações seja devidamente controlado. A decisão do STF, apesar de ser um passo importante no combate à evasão fiscal, também revela as tensões entre a necessidade de eficiência fiscal e a preservação das liberdades individuais.
O Convênio do Confaz, agora considerado constitucional, seguirá moldando a relação entre o Fisco e as instituições financeiras, impondo novas responsabilidades a estas, mas também exigindo um cuidado redobrado no manejo e proteção das informações compartilhadas. A busca por uma arrecadação mais justa e eficiente deve sempre estar alinhada com o respeito aos direitos fundamentais, garantindo que a fiscalização tributária ocorra sem comprometer os princípios basilares da Constituição.
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