Por Roberta Bertola, TNP Advogados
Imagine um acidente de veículo em que o causador tenha seguro. Temos três personagens, o segurado (causador do acidente), a seguradora e o terceiro, prejudicado pelo acidente.
Neste texto, discutem-se as controvérsias sobre a possibilidade da ação direta do terceiro contra a seguradora, ou seja, sem a inclusão do segurado.
Em geral, a jurisprudência não admite que terceiros possam reivindicar indenização diretamente contra a seguradora. Isso se baseia na ideia de que o contrato de seguro serve para proteger o patrimônio do segurado em caso de danos a terceiros, e não para criar direitos para esses terceiros contra a seguradora.
Aponta-se que sem a presença do segurado, não há relação jurídica que justifique uma ação direta do terceiro. Desse modo, somente o segurado poderia entrar com uma ação regressiva para buscar compensação após um sinistro.
Uma exceção (que confirma a regra) é prevista pelo Código de Defesa do Consumidor, que permite a um terceiro ajuizar ação contra a seguradora quando um fornecedor é declarado falido. Nesse caso, a proteção ao consumidor é priorizada, reconhecendo a possibilidade de ação direta.
A jurisprudência também enfatiza a importância da participação do segurado no processo. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) considera que a ausência do segurado comprometeria princípios constitucionais, como o contraditório e a ampla defesa, fundamentais em qualquer litígio.
Ainda em 2012, o STJ reforçou essa visão ao decidir que não era viável a propositura de ação exclusivamente por terceiros contra a seguradora. Em 2015, a Súmula 529 foi editada, reforçando a necessidade de inclusão do segurado na lide, dado que sua responsabilidade civil precisa ser apurada.
A doutrina ainda discute se o contrato de seguro tem uma função social que transcende a proteção individual do segurado, considerando também os interesses de terceiros. Essa perspectiva sugere que, em determinados contextos, um terceiro deveria ter o direito de acionar a seguradora diretamente.
Contudo, essa ideia é vista com cautela, pois poderia levar a um desvio do objetivo do seguro e à insegurança jurídica. O contrato de seguro deve ser administrado com base em princípios que garantam a proteção de todos os segurados que compõem o fundo mutual.
O STJ, em suas decisões, considera que o reconhecimento de uma função social ao contrato de seguro não é suficiente para justificar ações diretas de terceiros sem a inclusão do segurado. Isso poderia resultar em um sistema onde a seguradora teria que pagar indenizações sem ter a oportunidade de contestar as alegações.
Por fim, uma exceção é reconhecida em casos em que a responsabilidade já foi discutida administrativamente, antes da ação. Nesse cenário, se a seguradora já indenizou o terceiro e a responsabilidade do segurado é clara, uma nova ação pode ser permitida, desde que dentro dos limites da apólice.
Essa análise evidencia a complexidade da relação entre segurados, seguradoras e terceiros, ressaltando a necessidade de equilíbrio entre proteção legal e segurança jurídica e a devida análise estratégica nas demandas.
Fontes:
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p.449.
PASQUALOTTO, Adalberto. Contratos nominados III. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p.149.
ORTO, Mario Moacyr. Seguro de responsabilidade – Ação direta da vítima contra a seguradora. Ação de responsabilidade civil e outros estudos. São Paulo: Ed. RT, 1966. p. 48
RESP 1.684.228/SC, , Rel. Ministro NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 29/08/2019
PORTO, Mario Moacyr. Seguro de responsabilidade – Ação direta da vítima contra a seguradora. Ação de responsabilidade civil e outros estudos. São Paulo: Ed. RT, 1966. p. 48.
REsp 1584970/MT, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/10/2017
Migalhas. Migalhas.com.br. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/depeso/300594/o-terceiro-em-face-da-seguradora—inteligencia-da-sumula-529-do-stj>. Acesso em: 26 Out. 2024