Por: Stephanie Carvalho, TNP Advogados

A aprovação do Projeto de Lei (PL) Antifacção pela Câmara dos Deputados, que visa endurecer penas e criar novos tipos penais para crimes cometidos por integrantes de facções criminosas, é um marco significativo na legislação de segurança pública. Embora o foco principal seja o combate ao crime organizado, essa nova legislação possui potenciais repercussões indiretas, mas importantes, nos contratos de seguro, especialmente no que tange às cláusulas de exclusão e à avaliação de risco pelas seguradoras.

O PL Antifacção, ao tipificar e agravar crimes como roubo, latrocínio, extorsão e lesão corporal quando cometidos por membros de facções, sinaliza uma mudança no tratamento jurídico e na repressão a essas atividades. Para as seguradoras, o ponto crucial reside na previsibilidade e delimitação do risco. Teoricamente, o endurecimento da legislação, visando maior eficácia no combate ao crime, poderia, a longo prazo, levar a uma redução da sinistralidade relacionada a esses eventos. No entanto, em um primeiro momento, a nova caracterização de certos crimes e o foco na atuação de facções podem levar a um reexame da exposição ao risco e dos cálculos atuariais, especialmente em áreas de maior incidência.

Não se pode perder de vista que o contrato de seguro é fundamentado na delimitação do risco. Em geral os contratos de seguros patrimoniais e de vida já possuem cláusulas que excluem a cobertura para eventos decorrentes de “atos de terrorismo”, “atos de guerra”, ou “tumultos e comoções civis”. Embora o texto final aprovado na Câmara tenha retirado a equiparação direta das facções ao terrorismo, a rigidez da nova lei e a classificação de certas ações como “facção criminosa” podem impulsionar debates jurídicos sobre se danos causados por essas organizações poderiam ser enquadrados em alguma das exclusões genéricas existentes. É fundamental que as seguradoras revisem suas apólices para garantir que a linguagem das exclusões seja clara e não abusiva, observando o princípio da boa-fé e o Código de Defesa do Consumidor.

Para os seguros de vida e invalidez, a combinação das duas leis reforça a validade da exclusão de indenização em casos de ato ilícito doloso do segurado (Art. 762 do CC). Com o PL Antifacção, a participação de um segurado em uma facção criminosa passa a ter uma definição legal mais robusta e grave. Isso confere maior segurança jurídica às seguradoras para negar o pagamento de indenização quando a morte ou lesão do segurado decorrer de sua comprovada participação em crimes agora classificados sob a nova legislação. A Lei nº 14.454/22, ao exigir a clareza das exclusões, obriga a seguradora a, a priori, indicar no contrato que a participação em atividades criminosas é um risco não coberto, fortalecendo a tese da exclusão.

Por outro lado, nos seguros de Responsabilidade Civil, a nova lei, com foco no perdimento e apreensão de bens, tende a indiretamente impactar a análise de risco de empresas com suspeita de vínculo ou atividades em regiões dominadas por facções, refletindo-se na subscrição e no preço do seguro.

Em última análise, a PL Antifacção para o mercado de seguros sugere a necessidade de maior transparência e detalhamento nas apólices. E aumento da rigidez legal contra o crime (PL Antifacção) deve ser acompanhado pelo aumento da rigidez na formulação de contratos de seguro (Lei nº 14.454/22). As seguradoras terão que reescrever cláusulas de exclusão para incluir a nova tipificação de forma clara e destacada, equilibrando a necessidade de combater a fraude e o crime com a obrigação de garantir a máxima clareza e previsibilidade ao consumidor, como exige a legislação mais recente.