THE UN GLOBAL PACT FOR SAFE, ORDERED AND REGULAR MIGRATION (2018) AS AN INITIATIVE TO ENABLE THE LEGAL STATUS OF ENVIRONMENTAL MIGRANTS: AN ANALYSIS OF ITS EFFECTS AND IMPACTS
Isadora Savazzi Rizzi[1]
RESUMO
As migrações de caráter ambiental em resposta ou em antecipação ao estresse ambiental gerado pelas mudanças climáticas vem aumentado todos os anos. Embora seja uma realidade presente e urgente, a migração ou deslocamento de pessoas relacionados às mudanças climáticas é uma questão controversa, que gera uma série de discussões no cenário internacional, especialmente no tocante à situação jurídica desses migrantes. O Pacto Global para uma Migração Segura, Ordenada e Regular das Nações Unidas, assinado em dezembro de 2018 foi o primeiro documento oficial da ONU a abarcar as migrações ambientais. Partindo dessa premissa, o presente artigo visa analisar as proposições trazidas pelo Pacto Global da ONU para Migração Segura, Ordenada e Regular, em especial no tocante às migrações de cunho ambiental e climático, bem como analisar sua efetividade para garantir maior proteção a esses migrantes.
Palavras-chave: Pacto global, GCM, migrações ambientais, migrantes transnacionais, direitos humanos, mudanças climáticas.
ABSTRACT
Environmental migration in response to or in anticipation of the environmental stress generated by climate change increases every year. Although it is a present and urgent reality, the migration or displacement of people related to climate change is still a controversial issue, which generates a series of discussions on the international scene, especially regarding the legal status of these migrants. The United Nations Global Compact for Safe, Orderly and Regular Migration, signed in December 2018, was the first official UN document to encompass environmental migrations. Based on this premise, this article aims to analyze the propositions brought by the UN Global Compact for Safe, Orderly and Regular Migration, especially with regard to environmental and climatic migrations, as well as to analyze their effectiveness to ensure greater protection for these migrants.
Keywords: global compact, environmental migrations, transnational migrants, human rights, climate change.
INTRODUÇÃO
1. O CONTEXTO CONTEMPORÂNEO DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS E AS CONSEQUENTES MIGRAÇÕES AMBIENTAIS
O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), órgão das Nações Unidas encarregado de avaliar a ciência relacionada às mudanças climáticas realizou em 2019 um relatório[1] para examinar os imPactos que devem ser observados na Terra com um aumento entre 1,5 e 2 graus Celsius – o limite de aumento de 1,5 grau Celsius representa a meta estabelecida pelo Acordo de Paris, adotado por 195 nações em dezembro de 2015 para enfrentar a ameaça das mudanças climáticas.
De acordo com o relatório, as temperaturas extremas mais quentes serão percebidas na América do Norte Central e Oriental, Europa Central e Meridional, Mediterrâneo (incluindo Europa Meridional, Norte da África e Oriente Próximo), bem como Ásia Ocidental e Central e África Meridional.
Com um aquecimento global a 1,5 graus Celsius, até a metade do número de pessoas no planeta pode sofrer estresse hídrico, dependendo das condições socioeconômicas e da região. Pessoas em bacias hidrográficas, especialmente no Oriente Médio, serão particularmente vulneráveis.
Com um aquecimento de 2 graus Celsius, as ondas de calor mortais que a Índia e o Paquistão viram em 2015 poderão ocorrer anualmente, e alguns lugares verão um aumento nos eventos de chuvas fortes significativo. Isso inclui o leste da América do Norte, que terá maiores riscos de inundações. Outras áreas afetadas incluem as altas latitudes do Hemisfério Norte (Alasca / Canadá Ocidental, Leste do Canadá / Groenlândia / Islândia, Norte da Europa, Norte da Ásia) e Sudeste Asiático.
Entre outras previsões catastróficas sobre a biodiversidade e florestais, o Relatório Especial do IPCC afirma que em um nível de aquecimento entre 1,5 e 2 graus Celsius, as instabilidades na camada de gelo da Antártica e a perda irreversível da camada de gelo da Groenlândia podem levar a múltiplos metros de elevação do nível do mar em uma escala de tempo de centenas a milhares de anos.
O risco de doenças relacionadas ao calor e morte também aumentarão proporcionalmente ao aumento da temperatura. O relatório aponta que as cidades são as zonas que sofrerão os piores imPactos das ondas de calor devido ao efeito da ilha de calor urbana, que as mantém mais quentes do que as áreas rurais circundantes.
O relatório traz também a informação de que desde o período pré-industrial, estima-se que o ser humano tenha aumentado a temperatura média da Terra em cerca de 1 grau Celsius, e que este número estaria aumentando 0,2 graus Celsius a cada década, de modo que, nesse ritmo, o aquecimento global atingirá 1.5 grau Celsius acima dos níveis pré-industriais entre 2030 e 2052.
Ainda de acordo com o relatório, o aquecimento que já foi produzido em razão de emissões de gases desde o início do período pré-industrial não deve se dissipar pelas próximas centenas a milhares de anos, e esse aquecimento já produzido seguirá causando efeitos a longo prazo no clima. Ocorre que as emissões de gases passadas, por si só, não seriam passíveis de causar um aquecimento global de 1,5 graus Celsius, e sim o que o mundo produz hoje. Ou seja, quanto o planeta irá de fato aquecer nos próximos anos dependerá da urgência com que nossa sociedade trata no presente a redução de emissão dos gases de efeito estufa.
Todos os efeitos causados por essas mudanças climáticas já estão sendo observados e sentidos em várias partes do mundo.
De acordo com o Centro de Pesquisa em Epidemiologia e Desastres (CRED)[2], o continente asiático é um dos mais vulneráveis às mudanças climáticas e seus efeitos, tendo sofrido mais de 2.700 desastres ambientais nos últimos 20 anos, que afetaram 3,8 bilhões de pessoas e causaram 840.000 mortes.
Já no continente africano, a pobreza tem se acentuado em razão das fortes secas no chifre da África, além de a região já enfrentar uma série de outras ameaças como inundações consequentes do fenômeno El Niño, que encadeia a produção de chuvas torrenciais como consequência do aquecimento da água do oceano.
No Brasil, por sua vez, a região com maior iminência de sofrer consequências decorrentes das mudanças climáticas é a região Nordeste, que, estima-se, contará com aumentos de temperatura de entre 2ºC e 4ºC, bem como redução significativa de chuvas que acarretará um clima entre 15 e 20% mais seco, segundo o Relatório de Clima do Inpe[3].
A Amazônia também aparece no relatório do Inpe como área de risco, em razão da previsão de aumento de secas e de chuvas extremas, que causará mortes de árvores, incêndios e aumento das emissões de carbono.
Embora as mudanças climáticas possam ser mais percebidas em algumas regiões do planeta, não é difícil concluir que seus efeitos não pouparão nenhuma parte do mundo, e afetarão toda a comunidade global em sua totalidade, direta ou indiretamente.
E, dentre outros efeitos projetados e já observados, tem-se a mudança os padrões das migrações contemporâneas. O deslocamento de pessoas interna e transnacionalmente devido às mudanças climáticas é um fenômeno certo e crescente, e uma questão que afetará todas as pessoas a nível global.
Os efeitos ambientais das mudanças climáticas têm obrigado milhões de pessoas a deixarem seus locais de residência habitual. A média anual de pessoas deslocadas em decorrência de mudanças climáticas entre 2008 e 2016 chegou a 25,3 milhões, de acordo com dados divulgados pela IOM, e estima-se que o número de migrantes ambientais em alcance os 250 milhões até 2050, e 2 bilhões até 2100 (GEISLER, CURRENS, 2017).
A despeito da urgência do tema, e embora venha iminentemente sido tratado no cenário político global de forma cada vez mais central, persiste uma enorme lacuna jurídica com relação aos migrantes ambientais.
O fato de os migrantes ambientais não estarem abarcados pela Convenção das Nações Unidas para Refugiados de 1951, não os permite ser enquadrados como “refugiados” e os deixa sem legislação ou regime jurídico para protegê-los.
Para agravar essa situação, há um grande vácuo de dados que comprovem de forma empírica a relação causal entre os desastres ambientais, mudança climática e mobilidade humana, principalmente quando os desastres ambientais se dão através de um processo lento.
Quando se trata de catástrofes repentinas como ciclones, terremotos, e outros, o motivo dos deslocamentos das pessoas afetadas é facilmente notado e comprovado. Contudo quando se fala em desertificação do solo, elevação do nível do mar, secas, e outros processos longos e geralmente silenciosos de degradação do meio ambiente decorrente das mudanças climáticas, a razão pela qual as pessoas migram não fica evidente, pois o motivo primário que as leva a migrar acaba sendo a pobreza, a fome, a falta de condições de vida, e, portanto, não é muitas vezes considerado como motivo central da migração.
Por essas e outras razões o tema das migrações ambientais permaneceu por muito tempo sem a devida atenção no cenário global.
O Pacto Global para uma Migração Segura, Ordenada e Regular das Nações Unidas, assinado apenas recentemente, em dezembro de 2018 no Marrocos e ratificado na 72ª Assembleia Geral das Nações Unidas, foi o primeiro acordo intragovernamental a tratar sobre migração, e o primeiro documento da ONU a prever, ainda que tardiamente, a situação específica dos migrantes ambientais e associar as migrações ao meio ambiente – movimento que se iniciou em razão da Agenda 2030[4] para o Desenvolvimento Sustentável, mais especificamente para cumprimento da meta 10.7 da Agenda que prevê o comprometimento dos Estados em cooperar entre si a fim de promover a migração segura, ordenada e regular – afinal, embora as condições de imigração para um território sejam sempre decisões soberanas dos Estados, a migração internacional, por sua própria natureza como um fenômeno transfronteiriço, requer cooperação (SOLOMON, 2018).
2. O PACTO GLOBAL DA ONU PARA UMA MIGRAÇÃO SEGURA, ORDENADA E REGULAR DE 19 DE DEZEMBRO DE 2018 E A ABORDAGEM COM RELAÇÃO ÀS MIGRAÇÕES AMBIENTAIS
Através da Declaração de Nova Iorque para Refugiados e Migrantes em 2016, os Estados membros das Nações Unidas se comprometeram a adotar um Pacto Global para uma Migração Segura, Ordenada e Regular (GCM – The Global Compact for Safe, Orderly and Regular Migration).
Os principais objetivos aos quais se destina o GCM são definidos no Anexo II da Declaração de Nova York[5], dentre os quais, destacam-se: abarcar de forma holística todos os aspectos da migração transnacional, incluindo aqueles relacionados ao desenvolvimento e aos direitos humanos; contribuir para a governança política global para trazer melhorias à gestão da migração global; cooperar internacionalmente em prol da migração segura, regular e ordenada; estabelecer meios para implementar o acompanhamento e revisão dos compromissos entre os Estados Membros; enfrentamento de discriminação e exclusão social; e promoção de desenvolvimento socioeconômico dos países que recebem a maior quantidade de migrantes.
O GCM é um quadro de cooperação intergovernamental não vinculativo que abrange uma gama ampla de questões acerca da temática de migração e define um rol de compromissos em comum para os Estados, e que tem como base 23 Objetivos, para que os Estados respondam aos desafios e oportunidades da migração internacional contemporânea, bem como disposições de implementação, acompanhamento e revisão das medidas previstas.
O texto final do Pacto Global foi apresentado na Sede das Nações Unidas ao final da 6ª rodada de negociações e traz princípios orientadores e também medidas concretas ligadas à forma de gestão de fronteiras, coleta de dados confiáveis a respeito das migrações, serviços prestados aos migrantes, proteção consular, documentação, construção de ambientes para migrantes, entre outros.
De forma inédita, o texto também traz uma série de menções à migração de cunho ambiental e articula de forma abrangente os desafios relacionados à migração ligada ao meio ambiente. A maior parte das disposições nesse sentido são trazidas no Objetivo 2, que traz o seguinte título: “Objetivo 2: Minimizar os fatores adversos e estruturais que obrigam as pessoas a deixar seu país de origem” e abriga uma seção específica dedicada ao tema, que por sua vez se intitula: “Desastres naturais, os efeitos adversos de mudança climática e degradação ambiental”[6].
Para LEVANEX é animador o advindo do Pacto, dada a iniciativa para melhorar as condições socioeconômicas dos indivíduos e comunidades e para que os Estados se preparem melhor para os efeitos das mudanças climáticas e degradações ambientais. Porém, no contexto de desenvolvimento e mudança ambiental, para que ocorra o sucesso do Objetivo 2 a fim de tornar a migração uma escolha, ao invés de uma necessidade, cabe aos Estados cumpram o espírito do princípio da responsabilidade compartilhada proposta pelo Pacto, sua visão e princípios orientadores, respeitando os direitos individuais dos migrantes de acordo com sua humanidade.
No Objetivo 5, que se intitula: “Objetivo 5: Aumentar a disponibilidade e a flexibilidade dos caminhos para a migração regular.” são feitas algumas referências também importantes. O Objetivo 5 prevê em seu parágrafo “H” o compromisso dos Estados em identificar, desenvolver e fortalecer soluções voltada para migrantes compelidos a deixar seus países de origem em razão de desastres decorrentes de processos lentos devidos aos efeitos adversos das mudanças climáticas e da degradação ambiental, tal como a desertificação, a degradação da terra, secas e aumento do nível do mar, incluindo o planejamento de realocação planejada e opções de visto, em casos onde a adaptação dentro do seu país de origem ou o retorno a ele não é possível.
Os principais aspectos trazidos sobre a migração ambiental no Pacto, são: (i) A identificação clara da degradação ambiental de processos lentos, desastres naturais e imPactos das mudanças climáticas como vetores da migração contemporânea; (ii) O reconhecimento da multicausalidade da migração na medida em que os fatores ambientais interagem com outros fatores de cunho econômico, político e demográfico; (iii) A oferta de respostas abrangentes que vão desde a sugestão de medidas apropriadas para adoção dos países de origem de modo que a migração seja uma escolha e não uma necessidade, a preparação para desastres e viabilização do movimento de pessoas; (iv) O reconhecimento de que o retorno dos migrantes ambientais ao seu local de origem ou então a adaptação no local porem não ser viáveis, de modo que as vias regulares de migração precisam prever essa circunstância através de opções de visto para essas pessoas e uma relocação planejada; (v) O reforço da necessidade de cooperação entre os Estados para que sejam identificadas, desenvolvidas e fortalecidas soluções para essas pessoas que migram em razão da degradação ambiental de início lento; (vi) A importância de desenvolvimento de trabalho em nível regional que aborde os fatores ambientais da migração; (vii) O reconhecimento de necessidade de dispender maior investimento em pesquisas que enfrentem essa problemática.
O Pacto traz uma abordagem da migração em geral como uma fonte de prosperidade, inovação e desenvolvimento sustentável. Quando a migração ambiental é mencionada no documento, contudo, é abordada principalmente no contexto de vulnerabilidade e proteção dos direitos humanos.
A maneira abrangente e detalhada em que o ComPacto de Migração aborda a migração em todos os seus aspectos (evacuação, relocação planejada, voluntária migração e deslocamento) se compara favoravelmente com o Pacto Global sobre Refugiados[7] e reconhece que, embora não sejam as causas em si das migrações, o clima, a degradação ambiental e os desastres naturais interagem cada vez mais com os movimentos de refugiados e acabam por resultar no deslocamento transfronteiriço.
No entanto, apesar da ótica de proteção com relação às migrações ambientais, a ação do Pacto é limitada a fornecer orientação sobre medidas para ajudar os deslocados por desastres naturais, mudanças climáticas, e degradação ambiental. Não há, em nenhum dos dois Pactos (nem o Pacto sobre Refugiados nem o Pacto sobre Migração) reconhecimento de que em tais situações de deslocamento os migrantes poderiam se qualificar como refugiados ao abrigo da Convenção de Refugiados de 1951 ou, ainda, às noções de refugiado das legislações nacionais dos Estados.
Aliás, nesse aspecto, cumpre enfatizar que embora aprovados concomitantemente o Pacto para Refugiados permanece um documento distinto, preocupado apenas com refugiados, de modo que a distinção entre migrantes e refugiados é, portanto, reafirmada: as duas categorias são discutidas de forma bastante semelhante, porém paralela, mas elas são objeto de dois textos distintos (PÉCOUD, 2020).
Embora as migrações ambientais e as mudanças climáticas sejam trazidos de forma enfática pelo Pacto Global relativo às Migrações, os Estados optaram por manter este tópico fora do Pacto Global para Refugiados, abordando-o apenas no Pacto sobre Migrações. E a razão é clara: Em razão da natureza vinculativa do direito internacional dos refugiados, incluir mudanças climáticas no Pacto Global para Refugiados poderia ter dar margem para criar de novos compromissos legais (ou ao menos para que os Estados assim o interpretassem) para os Estados, enquanto tal risco não existe no caso do Pacto Global para Migrações, já que a governança de migrações por sua vez tem natureza não vinculativa. (KÄLIN, 2018).
Percebe-se que isso é resultado da relutância dos Estados em lidar com as migrações transnacionais no contexto climático (KÄLIN, 2018), e sugere também que o Pacto Global para uma Migração Segura, Ordenada e Regular será a única fonte de referência orientadora para discussões e ações futuras sobre mobilidade humana relacionada a desastres e mudanças climáticas.
3. A REPERCUSSÃO E NÃO VINCULATORIEDADE DO PACTO PARA OS ESTADOS SIGNATÁRIOS
O Pacto surgiu no momento em que se observa uma crescente tendência dos governos a “virar as costas” a compromissos humanitários, e adotar políticas de soberania com relação às migrações. (LAVANEX, 2020)
A normativa busca uma melhora na governança migratória, o que pressupõe que a migração carece de mecanismos de governança, o que é bastante contrastante com a cooperação multilateral em outros fluxos transnacionais (bens, capital) e questões globais como desenvolvimento, as próprias mudanças climáticas e os direitos humanos, (PÉCOUD, 2020) ironicamente.
Em uma perspectiva funcionalista, as realidades globais não podem ser objeto de governança a nível nacional, e a falta de cooperação, portanto, traria resultados abaixo do ideal pensado pelo GCM, seja no âmbito socioeconomico (relativo aos benefícios da migração para o crescimento e o desenvolvimento) e em termos legais e morais (com os abusos e tragédias decorrentes da migração irregular).
Embora 164 países tenham assinado o Pacto, o atual contexto político internacional em que a securitização e os discursos xenófobos e de extrema direita ganham cada vez mais espaço nas sociedades e políticas nacionais (BAUMAN, 2017), fez com que muitos países, principalmente os países desenvolvidos que tem grande absorção do contingente migratório transnacional contemporâneo, enxergassem o Pacto como uma ameaça à soberania nacional, muito embora o Pacto seja não vinculativo, não crie obrigações legais imediatas, e trate-se meramente de um acordo de cooperação.
Governantes de espectro político direitista, que defendem o “antiglobalismo” e são adeptos do nacionalismo, e rejeitam o multilateralismo e iniciativas de cooperação multilateral, entendem que a ótica enfática de direitos humanos sobre a qual o Pacto aborda as migrações é uma ameaça à segurança nacional e às fronteiras nacionais, de modo que a adesão ao Pacto prejudicaria sua gestão interna das imigrações. Porém o que o Pacto propõe é justamente o contrário: que as migrações, através da cooperação internacional passem a se dar através de um fluxo ordenado e seguro
A própria Secretária-Geral Adjunta das Nações Unidas, Sra. Amina J. Mohammed, fez uma declaração sobre esse aspecto na 72ª Sessão da Assembleia Geral da ONU, na qual fora finalizado o Pacto, reconhecendo a sensibilidade dessa questão: “A migração levanta questões profundas: em torno da soberania do Estado e dos direitos humanos; em torno do que constitui movimento voluntário; a relação entre desenvolvimento e mobilidade; e como apoiar a coesão social.” E ressalvou o caráter multilateralista do Pacto, ao frisar que sua efetividade dependerá da colaboração entre os Estados: “Este Pacto demonstra o potencial do multilateralismo: nossa capacidade de nos unirmos em questões que exigem colaboração global – por mais complicadas e controversas que sejam”.[8]
Muitos países já declararam que não assinarão o Pacto, como é o caso da Austrália, cujo ministro da imigração anunciou que seu país “não assinaria um documento que implica renúncia à nossa soberania” (LAVANEX, 2020).
Da mesma forma, uma série de países europeus também declarou que assinar o Pacto seria o mesmo que abrir as portas à migração em massa. Hugria, República Checa e Polônia chegaram a votar contra o Pacto. Austria, Bulgária, Italia, Letônia, Eslováquia, Suíça e Romênia estão fora do Pacto.
Por outro lado, outros países, em especial aqueles de quem maior número de emigrações que de imigrações transnacionais, se mostraram otimistas com relação ao Pacto.
O Representante Permanente do México, Juan José Ignacio Gómez Camacho, declarou que: “A migração foi o único tema global que ficou fora da agenda da ONU. O Pacto Global não apenas faz uma diferença prática na vida de milhões de migrantes em todo o mundo, mas reconhece que nenhum país pode lidar com isso sozinho. A razão pela qual este processo foi bem-sucedido é porque negociamos com base em evidências e fatos, não em percepções e preconceitos.”[9]
Já o Brasil optou por revogar a adesão ao Pacto, adotando, como de praxe na gestão atual, declarações e políticas muito semelhantes às adotadas pelos Estados Unidos, que por sua vez também se absteve de aderir ao Pacto na gestão de Donald Trump.[10] Na perspectiva da atual gestão brasileira, a permanência do Brasil no Pacto implicaria em perda de soberania do Estado, e o tema deve ser tratado internamente conforme a realidade do país.
Há de se ter claro, porém, que o Pacto não é um acordo multilateral que impõe uma série de regras, mas sim um mecanismo, uma proposta de fomentar a cooperação internacional, e estabelecer uma força em direção a objetivos delineados em comum acordo de forma voluntária. Há de se ter em mente que sinalizar um maior comprometimento e conformidade, poderia também repelir os Estados participantes e diminuir seu número.
Ao mesmo tempo não se pode presumir que por não ter uma forma legalmente vinculativa o Pacto seja irrelevante. Sua relevância não é determinada por sua forma jurídica, mas sim por sua efetividade e legitimidade. (HÖFLINGER, 2020).
As normas de soft law em regra são estabelecidas para atingir objetivos, e o indicador de sua efetividade, portanto, passa a ser a efetividade com que foram atingidos tais objetivos. Na ausência de compromissos vinculativos, é importante avaliar por meio de quais mecanismos o Pacto pretende mudar o comportamento dos Estados no que diz respeito à governança migratória.
Ou seja, a efetividade do Pacto dependerá principalmente dos mecanismos de monitoramento para motivar e convencer os Estados a se comportarem de acordo com os objetivos definidos. Os principais instrumentos de relatório e monitoramento do Pacto são: o Fórum de Revisão de Migração Internacional, a revisão regional da implementação, e a rede da ONU sobre migração. O monitoramento será complementado por reuniões regulares para discutição do progresso na implementação em níveis regionais, e contará com apoio da rede da ONU sobre a migração.
Tratados vinculativos não são necessariamente mais eficazes ou relevantes do que as documentos de soft law. Ambos possuem a capacidade de influenciar debate na comunidade internacional e comportamento dos Estados. Embora o GCM não possa ser considerado um texto legal em si, as leis de direitos humanos subjacentes nas quais se pauta são vinculativas.
Além disso, enquanto documento de soft law, o Pacto pode sim ter efeitos jurídicos como instrumento de interpretação das obrigações do Estado ou como fonte de jurisprudência (FERRIS, 2020).
O GCM possui, portanto, relevância e legitimidade para tornar-se uma fonte normativa no âmbito da governança das migrações transnacionais. O cumprimento dos compromissos propostos, contudo, dependerá da vontade política dos Estados participantes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Pacto Global para uma Migração Segura, Ordenada e Regular de 2018 representa uma grande conquista com relação à gestão da migração ambiental transnacional, e reconhece as políticas migratórias como questão central da política internacional, além de propor uma forma de cooperação entre Estados baseada em mecanismos procedimentais e comprometimento voluntário dos Estados. Contudo as práticas e políticas de governança migratória previstas devem ser traduzidas na governança política global e em práticas locais, nacionais e regionais.
A migração ambiental, embora venha sendo paulatinamente tratada de forma mais central no decorrer dos anos, ainda é um tema sobre o qual se fala pouco no cenário internacional, e há poucos dados de análise quanto à eficácia de medidas já tomadas ou práticas de gestão já existentes, especialmente no que tange aos compromissos previstos pelo Pacto Global, dada sua contemporaneidade.
Com a natureza não legalmente vinculativa do Pacto, alguns Estados podem decidir tomar medidas limitadas para enfrentar desafio de migração ambiental. Fato é que o cumprimento dos compromissos propostos pelo Pacto Global dependerá da vontade política dos Estados, seus recursos, e do interesse em seu desenvolvimento, individual e conjuntamente, uma vez que o Pacto tem caráter não vinculativo, mesmo para os países signatários.
Em conclusão, tem-se que apenas a implementação do Pacto poderá mostrar se ele será efetivo em prol de uma migração e governança migratória mais igualitária e humana., e que sua efetividade, dado que se trata de um instrumento legalmente não vinculativo, dependerá da qualidade do acompanhamento.
Há de se considerar, ainda, que se caminhe para soluções efetivas com relação às migrações e às migrações ambientais e cumprimento dos objetivos propostos pelo GCM, objeto deste artigo, é imprescindível que as populações afetadas sejam ouvidas quanto a suas realidades e necessidades, a fim de que haja dados de qualidade para subsidiar as medidas de gestão e decisões a respeito das migrações ambientais, além da atuação conjunta dos agentes relevantes como as organizações internacionais, regionais e nacionais, os Estados em todas as esferas, a sociedade receptora e as comunidades afetadas, que, não percebem a si próprias como detentoras de direitos; mas principalmente, que haja um comprometimento real dos Estados para que os objetivos materializados pelo Pacto se tornem reais.
Porém o que se conclui é que o Pacto promove oportunidades para diálogo e trabalho para melhor proteção das pessoas em risco de deslocamento ou que de outra forma se movam através das fronteiras no contexto de desastres ambientais e dos efeitos adversos das mudanças climáticas. Porém construir mecanismos de proteção eficazes em todos os níveis a estas pessoas exige esforços multilaterais e de longo prazo
Sem o esforço sistemático e contínuo por parte de todos os Estados e partes envolvidas para manter o Pacto na agenda internacional, as migrações ambientais não receberão a atenção que sua urgência necessita.
Isadora Savazzi Rizzi
Sócia – Trajano Neto e Paciornik Advogados
Referências:
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[1] Mestranda em Direito das Migrações Transnacionais – UNIVALI/Università di Perugia, vinculada à linha de pesquisa “Direitos Humanos e Migração”. Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. E-mail: rizzi.isadora@gmail.com
[1] IPCC Special Report on Global Warming of 1.5ºC. Disponível em: https://www.ipcc.ch/site/assets/uploads/sites/2/2019/06/SR15_Full_Report_High_Res.pdf. Acesso em 08 de julho de 2021.
[2] Centre for Research on the Epidemiology of Disasters (CRED); Research Institute Health & Society (IRSS), UCLouvain. www.cred.be. Disponível em: https://reliefweb.int/sites/reliefweb.int/files/resources/CredCrunch54.pdf. Acesso em 29 de julho de 2021.
[3] Disponível em http://mudancasclimaticas.cptec.inpe.br/~rmclima/pdfs/prod_probio/Atlas.pdf, acesso em 17 de julho de 2021.
[4] “A Agenda 2030 é um plano de ação para as pessoas, o planeta e a prosperidade, que busca fortalecer a paz universal. O plano indica 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, os ODS, e 169 metas, para erradicar a pobreza e promover vida digna para todos, dentro dos limites do planeta. São objetivos e metas claras, para que todos os países adotem de acordo com suas próprias prioridades e atuem no espírito de uma parceria global que orienta as escolhas necessárias para melhorar a vida das pessoas, agora e no futuro”. Trecho extraído do site oficial da Agenda 2030 da ONU. Disponível em: http://www.agenda2030.org.br/sobre/. Acesso em 08 de julho de 2021.
[5] Anexo II. Towards a global compact for safe, orderly and regular migration. New York Declaration for Refugees and Migrants. Disponível em: https://www.unhcr.org/57e39d987#_ga=2.212546196.1273111445.1628459016-247667793.1626647981. Acesso em 08 de julho de 2021.
[6] Pacto Global para Migração Segura, Ordenada e Regular. Objetivo 2, parágrafos 19.h-19.l. Disponível em: https://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/RES/73/195. Acesso em 12 de julho de 2021.
[7] Em 17 de dezembro de 2018, a Assembleia Geral das Nações Unidas afirmou o Pacto Global sobre Refugiados, juntamente ao Pacto Global para Migração Segura, Ordenada e Regular, após dois anos de consultas conduzidas pelo ACNUR com Estados Membros, organizações internacionais, refugiados, sociedade civil, setor privado e especialistas. O Pacto Global sobre Refugiados é uma estrutura para uma divisão de responsabilidades entre os Estados signatários para as situações de refugiados.
[8] Comunicado de Imprensa das Nações Unidas, Nova York, 13 de julho de 2018. Disponível em https://www.un.org/pga/72/2018/07/13/press-release-united-nations-finalizes-first-ever-global-compact-for-migration/. Acesso em: 29 de julho de 2021.
[9] Comunicado de Imprensa das Nações Unidas, Nova York, 13 de julho de 2018. Disponível em https://www.un.org/pga/72/2018/07/13/press-release-united-nations-finalizes-first-ever-global-compact-for-migration/. Acesso em: 29 de julho de 2021.
[10] Notícia divulgada na revista Veja. Disponível em: https://veja.abril.com.br/mundo/brasil-se-retira-do-Pacto-global-sobre-migracao/