Durante muito tempo, as empresas em recuperação judicial trouxeram aos tribunais discussões acerca da possibilidade em participar de processos de licitação. A controvérsia surgiu porque o art. 31, inciso II da Lei 8.666/93 (Lei das Licitações) prevê como documento indispensável para qualificação a “certidão negativa de falência ou concordata expedida pelo distribuidor da sede da pessoa jurídica, ou de execução patrimonial, expedida no domicílio da pessoa física”.

Após longo debate sobre o tema, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do agravo em recurso especial nº 309.867, admitiu a participação de empresa em recuperação em procedimento licitatório sem a apresentação de certidão negativa de distribuição de processo de recuperação judicial, desde que demonstrem, na fase de habilitação, ter viabilidade econômica.

A empresa recorrente defendeu que a exigência da Lei de Licitações se refere unicamente à falência e concordata, sem alcançar o instituto da recuperação judicial. Além disso, sustentou que o artigo 52, II, da Lei 11.101/05, derrogou o referido dispositivo da Lei de Licitações ao determinar que, com o deferimento da recuperação judicial, o juiz competente determinará a dispensa da apresentação de certidões negativas para que o devedor exerça suas atividades, exceto para contratação com o Poder Público ou para recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, observando o disposto no art. 69 desta Lei.

Segundo o Relator, Ministro Gurgel de Faria, “se a Lei de Licitações não foi alterada para substituir certidão negativa de concordata por certidão negativa de recuperação judicial, não poderia a Administração passar a exigir tal documento como condição de habilitação, haja vista a ausência de autorização legislativa”.

Invocou, também, o escopo do artigo 47 da lei 11.101/05, a respeito do real objetivo do instituto da recuperação judicial, que é justamente a superação da situação de crise econômico-financeira, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica. Conclui, ao final: “Entendo, portanto, incabível a automática inabilitação de empresas em recuperação judicial unicamente pela não apresentação de certidão negativa, principalmente considerando que a lei 11.101, de 9/2/2005, em seu art. 52, I, prevê a possibilidade de elas contratarem com o Poder Público, o que, em regra geral, pressupõe a participação prévia em licitação”.

A pacificação deste entendimento pelo Superior Tribunal de Justiça é de extrema relevância. Isto porque muitas empresas em processo de recuperação judicial se dedicam, precipuamente, a prestar serviços e vender bens ao poder público e, portanto, participam regularmente de licitação.

De outro lado, a apresentação de certidão negativa, pois si só, não é necessariamente um elemento aferidor da qualificação econômica, pois, ao menos em tese, uma empresa em recuperação judicial pode assumir tanto a qualificação técnica como a qualificação econômica para contratar com o poder público. A certidão apenas relata a pendência do processo de recuperação, sem trazer a concreta situação econômica da empresa.

Nesse sentido, a simples distribuição da recuperação judicial poderia representar o fim da empresa caso ela fosse automaticamente proibida de concorrer em processos licitatórios.

No entanto, também não devemos interpretar que a só inexigibilidade da certidão negativa é elemento capaz para habilitar uma empresa em recuperação judicial em processo de licitação, ao passo que ela ainda deve demonstrar sua viabilidade econômica.

Renata Almeida Alves

Advogada – Trajano Neto e Paciornik Advogados