É usual que haja um descompasso entre a realidade e o direito. E a situação do timesharing ou multipropriedade não é exceção. Embora na prática a multipropriedade seja amplamente adotada no país, havia um vazio legislativo importante.

Para ocupar este espaço, a lei n. 13.777/2018, com vigência a partir do início de fevereiro de 2019, disciplina a multipropriedade, também chamada de aproveitamento por turnos, em que há vários titulares de bem, os quais se alternam em usos distintos. É possível assim um aproveitamento econômico comum de bens tais como um apartamento, uma casa, maquinário, um barco ou um helicóptero.

Em termos práticos, na multipropriedade, as partes são donas, em conjunto, de um determinado bem, cada um com direito ao uso por um período pré-determinado ao longo do ano. Tecnicamente pode-se dizer que na multipropriedade há co-titularidade, com compartilhamento, no tempo, do aproveitamento econômico.

Com essa ferramenta jurídica pode-se compartilhar, por exemplo, um caminhão ou máquinas agrícolas, deixando o bem ocioso por menos tempo, reduzindo os custos da compra solitária, e ainda partilhando as despesas. No Brasil, é muito comum a adoção no turismo, no ramo da hotelaria, com a oferta por algumas redes da possibilidade de aquisição do direito de usar um quarto de hotel, por um período no ano.

A multipropriedade, segundo a definição enunciada no texto legal constitui “o regime de condomínio em que cada um dos proprietários de um mesmo imóvel é titular de uma fração de tempo, à qual corresponde a faculdade de uso e gozo, com exclusividade, da totalidade do imóvel, a ser exercida pelos proprietários de forma alternada”.

Como se percebe do conceito legal, lamentavelmente, o legislador perdeu a oportunidade de detalhar o regime jurídico aplicado aos imóveis, e focou os imóveis. A única exceção são normas relativas aos bens móveis que guarnecem o próprio imóvel. Nessa linha, determinou-se a responsabilidade por danos ao mobiliário, a vedação a troca dos móveis e a responsabilidade conjunta nas despesas de conservação.

Entre os pontos mais importantes a destacar definidos pela lei, três merecem um destaque especial:

(1-). É possível estabelecer durações variáveis de tempo entre os distintos multiproprietários;

(2-). Tal como ocorre em edifícios, não é necessária autorização dos demais proprietários (neste caso “multiproprietários” como chama a lei) para vender a multipropriedade;

(3-). É essencial a criação de uma convenção que regulamente o uso do bem, com a gestão do bem comum, administrador, o rateio de despesas, fundo de reserva, taxa condominial.

A adoção da multipropriedade imobiliária pode ser uma estratégia interessante para economia por pessoas físicas e por empresas, seja para lazer, seja para atividades profissionais. É um mecanismo que, adotado com as devidas cautelas jurídicas, pode ser conveniente e econômico, reduzi a ociosidade e permitir um uso melhor e mais barato dos bens.

De forma similar aos condomínios em geral, as inovações legislativas sublinhadas neste artigo tornam fundamental adotar, por meio de uma convenção de condomínio em multipropriedade, a forma de uso comum. Ilustrativamente, a convenção de condomínio em multipropriedade. Além de estabelecer o rateio de despesas e gestão, a convenção pode estabelecer procedimento em caso de inadimplemento.

Por fim, é interessante notar que em condomínios edilícios devem estar atentos ao timesharing porque na prática, haverá dois condomínios com forte relação entre si. Para esclarecer melhor, tome-se como exemplo um condomínio em multipropriedade pelo qual as partes se agregam para possuírem de forma associada um conjunto comercial.

Haverá um condomínio em multipropriedade, da unidade específica, bem como estará presente a figura do condomínio edilício, que congrega todos os conjuntos comerciais de todos os andares. Dois condomínios convivendo, a exigir cuidados também nas normas e procedimentos internos do condomínio edilício para poder cobrar as taxas condominiais, colher os votos e conviver de forma harmoniosa.

Palavras-chaves: timesharing, multipropriedade, convenção condominial, partilhar, tempo.

Gabriel Schulman

Advogado – Trajano Neto e Paciornik Advogados